Terceira dose de vacinação da Covid-19 é marcada
pela falta de consenso
Aumento
do número de casos em pessoas com mais de 60 anos, porém, mostra necessidade de
urgência
Dráuzio Varella,
Folha de S. Paulo
Cerca de 75% das vacinas contra a Covid-19 foram aplicadas em apenas dez países. Enquanto na África abaixo do deserto do Saara e em algumas regiões da Ásia o número de vacinados se mantém abaixo de 5%, outros países administram doses de reforço aos já imunizados.
Essa discussão
surgiu com a emergência da variante delta, altamente
contagiosa, e com as demonstrações laboratoriais de que a intensidade
da resposta imunológica conferida pela vacina cai com a passagem dos meses.
Israel,
Estados Unidos, Alemanha, China, Rússia e Emirados Árabes foram os primeiros a
adotar as doses de reforço, estratégia que será seguida no Brasil e,
certamente, em outras partes do mundo.
A Organização Mundial da
Saúde exorta os governos a adotar uma moratória até o fim de
setembro, antes de recomendar o reforço. Os técnicos da organização se apoiam
na falta de consenso entre os cientistas. A revista Nature traz uma ampla
discussão sobre o tema.
A vacinação
provoca aumento de células imunologicamente competentes, capazes de produzir
anticorpos para a ação imediata, além de células de memória —linfócitos B e T—
que sobreviverão para ser mobilizadas em caso de novo contato com o mesmo
agente.
A dose de reforço estimula os linfócitos de
memória a se multiplicar para produzir anticorpos com mais eficiência, no
combate a infecções futuras.
Testes
realizados com doses extras das vacinas Pfizer, AstraZeneca, Moderna e Sinovac
mostraram que elas são capazes de provocar picos nos níveis de anticorpos
neutralizantes, quando administradas alguns meses depois da segunda dose.
Parece que esses picos são mais elevados quando o reforço é feito com vacina de
outra marca.
O problema é
que depois de doses repetidas, o número de células de memória e os níveis de
anticorpos produzidos por elas se estabilizam num platô que não se altera
diante de novos estímulos, sejam vacinais ou causados por outro contato com o
coronavírus.
Normal em
qualquer vacina, a queda na quantidade de anticorpos com a passagem do tempo
também ocorre na imunização contra a Covid-19.
O que falta
saber é se esse declínio indica perda das defesas contra o vírus. Seria de
grande utilidade definir qual o limiar mínimo da quantidade de anticorpos ainda
capazes de conferir proteção. Por causa desse desconhecimento, não é
recomendada a dosagem de anticorpos na corrente sanguínea para comprovar a
eficácia da vacinação.
Na ausência de
marcadores para avaliar o grau de proteção após
imunização, pesquisadores israelenses verificaram se o número dos
que caem doentes, agora, é maior entre os que receberam a vacina nos primeiros
meses das campanhas no país. A resposta foi sim: os níveis de proteção entre os
primeiros vacinados foram de 40%, contra 90% naqueles imunizados nos últimos
meses.
Esse declínio
faz suspeitar, mas não prova ter sido por perda de imunidade, porque pode estar
ligado à agressividade da variante delta e ao comportamento social das
populações vacinadas.
Outro dado
importante é saber se a proteção das vacinas contra as formas graves da doença
diminui com a passagem do tempo.
Todos os
estudos realizados com as vacinas disponíveis mostraram que a proteção contra
as formas graves ou fatais da Covid-19 é mantida, mesmo quando se trata da
variante delta. O que não sabemos é se os vacinados que desenvolveram quadros
leves da doença perdem a imunidade e ficam sujeitos a infecções mais graves no
futuro.
Tantas dúvidas
levam muitos cientistas a considerar desperdício de recursos administrar
reforços, enquanto muitos não receberam nem uma dose sequer.
Países
como o nosso, a China ou os Emirados Árabes, com grande número de vacinados com
vírus mortos que conferem proteção mais baixa, dificilmente deixarão de
imunizar as pessoas mais velhas e as imunodeprimidas com uma dose adicional de
uma vacina mais eficaz.
É provável que
muitos dos que receberão doses de reforço, talvez, não necessitassem delas. Por
outro lado, o aumento do número de casos e de hospitalizações de pessoas com
mais de 60 anos, nas últimas semanas, não nos deixa tempo para aguardar que a
ciência estabeleça consensos baseados em evidências.
Como diz o
infectologista Júlio Croda: “A terceira dose para os
mais velhos é questão para ontem”.
.
Veja:
Um encontro entre velhos companheiros de luta https://bit.ly/3kbDHqq
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