25 agosto 2021

Terceira dose da vacina?

Terceira dose de vacinação da Covid-19 é marcada pela falta de consenso
Aumento do número de casos em pessoas com mais de 60 anos, porém, mostra necessidade de urgência
Dráuzio Varella, Folha de S. Paulo

Cerca de 75% das vacinas contra a Covid-19 foram aplicadas em apenas dez países. Enquanto na África abaixo do deserto do Saara e em algumas regiões da Ásia o número de vacinados se mantém abaixo de 5%, outros países administram doses de reforço aos já imunizados.

Essa discussão surgiu com a emergência da variante delta, altamente contagiosa, e com as demonstrações laboratoriais de que a intensidade da resposta imunológica conferida pela vacina cai com a passagem dos meses.

Israel, Estados Unidos, Alemanha, China, Rússia e Emirados Árabes foram os primeiros a adotar as doses de reforço, estratégia que será seguida no Brasil e, certamente, em outras partes do mundo.

A Organização Mundial da Saúde exorta os governos a adotar uma moratória até o fim de setembro, antes de recomendar o reforço. Os técnicos da organização se apoiam na falta de consenso entre os cientistas. A revista Nature traz uma ampla discussão sobre o tema.

A vacinação provoca aumento de células imunologicamente competentes, capazes de produzir anticorpos para a ação imediata, além de células de memória —linfócitos B e T— que sobreviverão para ser mobilizadas em caso de novo contato com o mesmo agente.

A dose de reforço estimula os linfócitos de memória a se multiplicar para produzir anticorpos com mais eficiência, no combate a infecções futuras.

Testes realizados com doses extras das vacinas Pfizer, AstraZeneca, Moderna e Sinovac mostraram que elas são capazes de provocar picos nos níveis de anticorpos neutralizantes, quando administradas alguns meses depois da segunda dose. Parece que esses picos são mais elevados quando o reforço é feito com vacina de outra marca.

O problema é que depois de doses repetidas, o número de células de memória e os níveis de anticorpos produzidos por elas se estabilizam num platô que não se altera diante de novos estímulos, sejam vacinais ou causados por outro contato com o coronavírus.

Normal em qualquer vacina, a queda na quantidade de anticorpos com a passagem do tempo também ocorre na imunização contra a Covid-19.

O que falta saber é se esse declínio indica perda das defesas contra o vírus. Seria de grande utilidade definir qual o limiar mínimo da quantidade de anticorpos ainda capazes de conferir proteção. Por causa desse desconhecimento, não é recomendada a dosagem de anticorpos na corrente sanguínea para comprovar a eficácia da vacinação.

Na ausência de marcadores para avaliar o grau de proteção após imunização, pesquisadores israelenses verificaram se o número dos que caem doentes, agora, é maior entre os que receberam a vacina nos primeiros meses das campanhas no país. A resposta foi sim: os níveis de proteção entre os primeiros vacinados foram de 40%, contra 90% naqueles imunizados nos últimos meses.

Esse declínio faz suspeitar, mas não prova ter sido por perda de imunidade, porque pode estar ligado à agressividade da variante delta e ao comportamento social das populações vacinadas.

Outro dado importante é saber se a proteção das vacinas contra as formas graves da doença diminui com a passagem do tempo.

Todos os estudos realizados com as vacinas disponíveis mostraram que a proteção contra as formas graves ou fatais da Covid-19 é mantida, mesmo quando se trata da variante delta. O que não sabemos é se os vacinados que desenvolveram quadros leves da doença perdem a imunidade e ficam sujeitos a infecções mais graves no futuro.

Tantas dúvidas levam muitos cientistas a considerar desperdício de recursos administrar reforços, enquanto muitos não receberam nem uma dose sequer.

Países como o nosso, a China ou os Emirados Árabes, com grande número de vacinados com vírus mortos que conferem proteção mais baixa, dificilmente deixarão de imunizar as pessoas mais velhas e as imunodeprimidas com uma dose adicional de uma vacina mais eficaz.

É provável que muitos dos que receberão doses de reforço, talvez, não necessitassem delas. Por outro lado, o aumento do número de casos e de hospitalizações de pessoas com mais de 60 anos, nas últimas semanas, não nos deixa tempo para aguardar que a ciência estabeleça consensos baseados em evidências.

Como diz o infectologista Júlio Croda: “A terceira dose para os mais velhos é questão para ontem”.

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Veja: Um encontro entre velhos companheiros de luta https://bit.ly/3kbDHqq

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