A
ignorância ao alcance de todos
Stanislaw Ponte Preta*
Todo dito popular funciona e ficaria o
dito pelo não dito se os ditos ditos não funcionassem, dito o que, acrescento
que há um dito que não funciona ou, melhor dito, é um dito que funciona em parte
uma vez que, no setor da ignorância, o dito falha, talvez para confirmar outro
velho dito: o do não-há-regra-sem-exceção. Digo melhor: o dito
mal-de-muitos-consolo-é encerra muita verdade, mas falha quando notamos que
ignorância é o que não falta pela aí e, no entanto, ninguém gosta de confessar
sua ignorância. Logo, pelo menos aí, o dito dito falha. Tenho experiência
pessoal quanto à má-vontade do próximo para com a própria ignorância, má-
vontade esta confirmada diversas vezes em poucos minutos, graças a uma
historinha vivida ao lado do escritor Álvaro Moreira, num dia em que fomos
almoçar juntos, na cidade.
Já
não me lembro qual o motivo do almoço. Lembro-me, isto sim, que íamos
caminhando, quando Alvinho disse, em voz alta:
–
Leônio Xanás.
–
O quê? — perguntei, e Alvinho explicou que Leônio Xanás era o nome do pintor
que estava pintando seu apartamento. Até me mostrou um cartãozinho, escrito
“Leônio Xanás — Pinturas em Geral — Peça Orçamento”.
–
Hoje acordei com o nome dele na cabeça. A toda hora digo Leônio Xanás — contava
o escritor. — Ainda agorinha, ao entrar no lotação, disse alto “Leônio Xanás” e
levei um susto, quando o motorista respondeu: “Passa perto”. Ele pensou que eu
estava perguntando por determinada rua e foi logo dizendo que passa perto, sem,
ao menos, saber que rua era.
Foi
aí que nos nasceu a vontade de experimentar a sinceridade do próximo e nos
nasceu a certeza de que ninguém gosta de confessar-se ignorante mesmo em
relação às coisas mais corriqueiras. Entramos numa farmácia para comprar Alka-
Seltzer (pretendíamos tomar vinho no almoço) e Alvinho experimentou de novo,
perguntando ao farmacêutico:
–
Tem Leônio Xanás?
–
Estamos em falta — foi a resposta.
Saímos
da farmácia e fomos ao prédio onde tem escritório o editor do Alvinho. No
elevador, nova experiência. Desta vez quem perguntou fui eu, dirigindo-me ao
cabineiro do elevador:
–
Em que andar é o consultório do Dr. Leônio Xanás?
–
Ele é médico de quê?
–
Das vias urinárias — apressou-se a mentir o amigo, ante a minha titubeada.
–
Então é no sexto andar — garantiu o cara do elevador, sem o menor remorso. E se
não tivéssemos saltado no quinto andar por conta própria, teria nos deixado no
sexto, a procurar um consultório que não existe.
E
assim foi a coisa. Ninguém foi capaz de dizer que não conhecia nenhum Leônio
Xanás ou que não sabia o que era Leônio Xanás. Nem mesmo a gerente de uma loja
de roupas, que — geralmente — são senhoras de comprovada gentileza. Entramos
num elegante magazine do centro da cidade para comprar um lenço de seda para
presente. Vimos vários, todos bacanérrimos, mas — para continuar a pesquisa —
indagamos da vendedora:
–
Não tem nenhum da marca Leônio Xanás?
A
mocinha pediu que esperássemos um momento, foi até lá dentro e voltou com a
prestativa senhora gerente. Esta sorriu e quis saber qual era mesmo a marca:
–
Leônio Xanás — repeti, com esta impressionante cara-de-pau que Deus me deu.
Madame
voltou a sorrir e respondeu: — Tínhamos, sim, senhor. Mas acabou. Estamos
esperando nova remessa.
Foi
uma pena não ter. Compramos de outra marca qualquer e fomos almoçar. Foi um
almoço simpático com o velho amigo. Lembro-me que, na hora do vinho, quando o
garçom trouxe a carta, Alvinho deu uma olhadela e disse, em tom resoluto:
–
Queremos uma garrafa de Leônio Xanás tinto. O garçom fez uma mesura: — O senhor
vai me perdoar, doutor. Mas eu não aconselho esse vinho.
Devia
ser uma questão de safra, daí aconselhar outro: — O Ferreirinha não serve?
Servia.
É,
irmãos, mal de muitos consolo é, mas ignorante que existe às pampas, ninguém
quer ser.
* Sérgio Marcus Rangel Porto (Stanislaw Ponte Preta) foi um cronista, escritor, radialista, comentarista, teatrólogo, jornalista, humorista
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