20 outubro 2021

Cena política: CPI, notas, artigos, comentários e uma crônica de Cícero Belmar

Não deu em pizza

 
No início da CPI, escrevi aqui no blog e no portal Vermelho, em minha coluna de todas as quintas-feiras, que a partir da própria instalação o fato político de grande dimensão se consumara.
 
Em geral se imagina que uma vez apurados delitos, a resultante natural seria a punição dos culpados pela própria CPI.
 
Na verdade, caberá ao Judiciário em suas instâncias, à Procuradoria Geral da República, à Polícia Federal e órgãos de controle acolherem as conclusões da comissão parlamentar de inquérito e instaurarem os processos correspondentes.
 
Porém mais importante do que tudo isso tem sido a ampla divulgação das oitivas envolvendo figuras de destaque da administração pública federal, A exemplo do ex-suposto ministro da Saúde, o indigitado general Pazuello.
 
Como veremos a seguir, em matérias que transcrevo de várias fontes, qualquer que seja o grau de acolhimento pelos órgãos competentes das conclusões da CPI, desta vez não deu em pizza: contribuiu enormemente para desmascarar, isolar e enfraquecer o presidente da República e os círculos de extrema direita que governam o país. (LS)
 
Quem anda pelo Facebook me encontra https://bit.ly/3G42XIZ


Minuta do relatório final da CPI identifica 24 crimes e 69 réus

Relatório final será apresentado nesta quarta-feira durante reunião da comissão. Minuta ainda pode sofrer mudanças, e já tem mais de 1,1 mil páginas.
Cezar Xavier, portal Vermelho www.vermelho.org.br

 

O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), preparou uma nova versão do parecer final que será apresentado nesta quarta-feira (20). Ele ampliou o número de pessoas e empresas que serão acusados de cometer crimes na pandemia. O texto foi divulgada à imprensa.

Renan Calheiros indica terem sido cometidos 24 crimes diferentes, entre os quais homicídio, crimes contra a humanidade, genocídio de indígenas, corrupção, fraude em licitação, prevaricação e falsificação de documentos.

O relatório deve recomendar que 69 pessoas sejam indiciadas, além de duas empresas, a Precisa Medicamentos, envolvida na suspeita de corrupção na venda da vacina Covaxin ao governo federal, e a VTCLog.

O relator da CPI deve pedir o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro por 11 crimes, entre os quais genocídio de indígenas. Após a leitura e a aprovação pela comissão parlamentar de inquérito, o relatório será enviado para várias instâncias — como Procuradoria-Geral da República, Ministério Público nos estados e Tribunal de Contas da União — para a adoção das providências cabíveis.

Leia a íntegra da versão mais recente da minuta (atualizada nesta terça, 19)

A mais nova versão do relatório começou a ser enviada na noite de segunda (18) aos senadores. Segundo o relator, estará aberto à colaboração dos senadores para refletir o parecer da maioria.

No início da sessão desta terça-feira (19) da comissão, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) já antecipou que fará recomendações. Ele mencionou o fato da CPI estadual do Amazonas não indiciar o governador, que é réu no Senado.

Gabinete paralelo

O relator afirma que o governo federal foi omisso e optou por agir de forma não técnica e desidiosa, negligente, no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, expondo deliberadamente a população a risco concreto de infecção em massa.

Os senadores usaram informações colhidas no inquérito autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar disseminação de notícias falsas sobre temas gerais.

A CPI ressalta ainda a existência de uma “campanha de desinformação institucional” realizada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Além da omissão em campanhas preventivas, o órgão contribui para disseminação de desinformação sobre vacinas e a pandemia.

As investigações da CPI da Covid revelaram uma organização com sete núcleos, articulados entre si, para disseminar conteúdo falso sobre o combate à pandemia, a partir da estrutura oficial do governo.

Núcleo de comando: presidente Jair Bolsonaro e filhos com cargos políticos,

Núcleo formulador e de execução e apoio: servidores do gabinete da Presidência da República.

Núcleo político: parlamentares, políticos e líderes religiosos, tais comoCarla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF), o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), o presidente do PTB, Roberto Jefferson, e o pastor Silas Malafaia.

Núcleo de financiamento: empresários Otávio Fakhoury e Luciano Hang. Outros núcleos que envolviam pessoas sem cargos oficiais, externos ao governo, são o de produção das fake news e operação das redes sociais; e o de disseminação das fake news.

“O governo manteve um gabinete paralelo para dar suporte a medidas na área de saúde contra as evidências científicas, trabalhou com a intenção de imunizar a população por meio de contaminação natural, a chamada imunidade de rebanho, priorizou o tratamento precoce sem amparo científico de eficácia, agiu contra a adoção de medidas não farmacológicas, como o distanciamento social e o uso de máscaras, e, deliberadamente, atuou para atrasar a compra de vacinas, em evidente descaso com a vida dos brasileiros”, diz o texto.

Declarações e manifestações públicas de Bolsonaro, desde o começo da pandemia, minimizavam o impacto do vírus e legitimavam desinformação. Os filhos ajudavam a replicar essas fake news, sobretudo, nas redes sociais.

Na minuta atual, Renan Calheiros afirma que o governo Bolsonaro, “deixando o vírus agir, propagando a segurança ilusória de um tratamento precoce, instigando invasores e recusando-se a proteger, produziu morte e sofrimento à distância aos povos indígenas”.

O relator deve pedir também o indiciamento de

  • filhos do presidente: o senador Flávio Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro;
  • ministros: Marcelo Queiroga, Onyx Lorenzoni, Wagner Rosário e Braga Neto, que não estava entre os indiciados nas primeiras versões do relatório;
  • ex-ministros: Ernesto Araújo e Eduardo Pazuello;
  • deputados: o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, Osmar Terra, Carla Zambelli, Bia Kicis e Carlos Jordy;
  • pessoas apontadas como integrantes do gabinete paralelo, como os empresários Luciano Hang, Otávio Fakhoury e Carlos Wizard, a médica Nise Yamaguchi e o virologista Paolo Zanotto.

A assessoria do Palácio do Planalto não se manifestou, assim como vários acusados. Outros negam as acusaç˜ões ou dizem que falta base jurídica, amparada em narrativas, em vez de provas factuais. Há ainda aqueles que esperam a leitura do relatório.

Veja: Sua sugestão vale muito https://bit.ly/2YS51Di

Bolsonaro fica entre o crime contra a humanidade e o charlatanismo no relatório da CPI da Pandemia

Vazamento do parecer do relator Renan Calheiros antecipa discussão que os senadores travarão até o dia 26 para definir o grau de gravidade da conduta do presidente durante a crise de saúde da covid-19
Afonso Benites, El País

 

O presidente Jair Bolsonaro cometeu crime contra a humanidade durante a pandemia da covid-19. Essa é a leitura do relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, que vai chegando ao fim após uma maratona de quase 70 reuniões percorridas para descobrir os responsáveis pelas 600.000 mortes provocadas pelo coronavírus no Brasil. O relatório produzido pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) e vazado antes de sua leitura oficial, que será feita nesta quarta-feira, desvela uma rede de falsas informações capitaneada pelo presidente com a conivência da classe médica, que levou o país ao sétimo lugar do mundo na relação de morte por habitantes —o Brasil é responsável por 12,4% dos óbitos do planeta na pandemia, apesar de ter apenas 2,7% da população mundial.

O relator pede 72 indiciamentos —de 70 pessoas e duas empresas— por 24 crimes, e seu principal alvo é Bolsonaro. O presidente teria cometido 11 crimes, que vão desde charlatanismo —”inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível”— até homicídio qualificado por omissão no combate ao coronavírus e genocídio de indígenas, pela “intenção de submeter esse grupo específico da população ao risco de contágio”. Essas duas acusações mais graves não eram consenso entre os parlamentares que participaram da investigação e, durante reunião na noite desta terça-feira, foram retiradas do relatório —a avaliação é de que esses dois crimes estão contemplados na tipificação do crime contra a humanidade e no de epidemia, respectivamente. De qualquer forma, o caminho para que os crimes denunciados venham a ser de fato investigados pela justiça brasileira é incerto: o procurador-geral, Augusto Aras, responsável por acusar formalmente o presidente da República, já demonstrou mais de uma vez que não pretende incomodar Bolsonaro.

Para tentar diminuir a resistência de colegas em relação à acusação de genocídio, Calheiros ressaltou a prudência ao tratar do tema no relatório. “Nem todo massacre, morticínio ou assassinato em massa pode ser descrito como genocídio. Devemos preservar o discernimento para não desqualificar a gravidade dos fatos e chamar cada um à devida responsabilidade”, escreveu. No documento, o relator diz que Bolsonaro atuou para “favorecer a contaminação e consequentemente a morte dos brasileiros que ele tinha a obrigação de proteger”. “As manifestações do Presidente da República fizeram parte de uma estratégia que, embora equivocada, foi cuidadosamente organizada de forma a alcançar o objetivo de acelerar a disseminação do vírus, para atingir a imunidade de rebanho ao menor custo possível”, descreve o relator.

Os senadores se reúnem nesta quarta-feira para ouvir a leitura do relatório e terão mais seis dias até decidir se endossam tudo o que Calheiros escreveu. Além dos pedidos de investigação do presidente por homicídio e genocídio, os parlamentares também se questionam sobre o indiciamento dos três filhos políticos de Bolsonaro —um senador, um deputado e um vereador— por terem participado da rede de desinformação liderada pelo presidente durante a pandemia. “Temos de fazer um relatório devastador, mas não podemos nos perder nas questões jurídicas pra não darmos brechas para questionamentos”, explica o senador Humberto Costa (PT-PE), membro da CPI e opositor do Governo.

Outro ponto de discórdia é o indiciamento do ministro da Defesa, Walter Braga Netto. General do Exército, ele foi o chefe da Casa Civil e responsável pela coordenação das primeiras ações no enfrentamento da doença. Calheiros entende que o general seja indiciado pelo crime de epidemia, mas parte dos parlamentares teme que o Exército veja a acusação como uma provocação. O não indiciamento do governador do Amazonas, o bolsonarista Wilson Lima (PSC), também resultou em queixas entre os parlamentares. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), reclamou que Lima teria responsabilidade sobre as mortes de dezenas de amazonenses durante a crise da falta de cilindros de oxigênio em Manaus. Dos membros da CPI, Aziz é o que mais se irritou com o vazamento do relatório.

Afora os pontos de divergência, não parece restar dúvidas quanto ao papel de liderança do presidente na costura de uma cortina de fake news para esconder as falhas gritantes de seu Governo no enfrentamento da pandemia. Falhas como a incapacidade do Executivo federal de se articular com Estados e municípios no “planejamento das ações para aquisição de insumos estratégicos e para a elaboração dos planos tático-operacionais”. O relatório de 1178 páginas disseca em 16 capítulos como Bolsonaro se cercou informalmente de um gabinete paralelo composto por médicos, políticos e empresários para defender tratamentos sem comprovação científica quase que como uma política de Governo, “ao arrepio das orientações técnicas do Ministério da Saúde, sem ter investidura formal nos cargos públicos responsáveis por essa função”.

A política negacionista de Bolsonaro teve o suporte de um órgão considerado técnico, o Conselho Federal de Medicina (CFM), que não se opôs ao uso da cloroquina mesmo depois de ficar mais claro que ela não serve para tratar a covid-19. O presidente do órgão, Mauro Luiz de Brito Ribeiro, teve seu indiciamento sugerido pelo delito de epidemia culposa com resultado morte. Foi escorado no gabinete informal composto por órgãos como esse que Bolsonaro advogou pela imunidade de rebanho —a ideia de que o melhor caminho para encerrar a pandemia seria permitir que a maior parte de brasileiros possível se contaminasse— e que, até hoje, semeia dúvidas sobre as vacinas que seu próprio Governo comprou, e com as quais mais de 100 milhões de brasileiros já foram imunizados com o ciclo completo.

Ao longo de todo o relatório, Renan Calheiros ressalta que o Governo demorou para contratar vacinas contra o coronavírus —um assunto que tomou diversas sessões televisionadas da investigação, primeiro por causa da demora de meses do Governo para se entender com a Pfizer e, depois, pelas suspeitas de corrupção na negociação para a compra de vacinas como Covaxin e Sputnik V, que não chegaram a ser adquiridas pelo Governo brasileiro. “O atraso na aquisição de vacinas impôs escassez à população e redução do ritmo de vacinação, o que aumentou a mortalidade pelo vírus”, destaca o texto, que guarda uma sessão para a crise de falta de oxigênio no Amazonas, o ápice da tragédia pandêmica no Brasil.

Entre senadores que lideraram a investigação, há uma preocupação de que o relatório seja rejeitado no próximo dia 26, como consequência do desentendimento quanto aos crimes mais graves atribuídos ao presidente e a alguns de seus ministros —entre os pedidos de indiciamento estão Marcelo Queiroga (Saúde), por epidemia e prevaricação; Onyx Lorenzoni (Trabalho), por incitação ao crime e genocídio de indígenas, e Wagner Rosário (Controladoria), por prevaricação. Mesmo divergências políticas regionais entre os membros da comissão ameaçam retirar votos que garantiriam a aprovação do texto final. O histórico de Calheiros, um político desgastado há décadas por inúmeras acusações de corrupção, também não advoga a favor de seu parecer sobre quem e por que deveria ser punido pelo desempenho do Governo no combate à pandemia.

Os parlamentares também discutem se considerarão ou não as informações referentes à disseminação de fake news. Calheiros usou em seu relatório trechos da investigação sobre desinformação conduzida por militantes bolsonaristas que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Os demais senadores não tiveram acesso a esse documento e se queixam da falta de embasamento para acusar os bolsonaristas, entre eles o primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), de incitação ao crime, ao espalhar informações sobre a efetividade do kit covid ou dúvidas sobre as vacinas.

Ainda que o relatório seja aprovado como proposto, caberá a outros órgãos uma punição formal a Bolsonaro e a seus aliados. O texto ainda será analisado pelo Ministério Público Federal, que tem à sua frente um procurador apontado como apoiador de Bolsonaro. No comando da Câmara, por onde se inicia a tramitação de qualquer processo de destituição, está outro bolsonarista, o deputado Arthur Lira (PP-AL). De qualquer forma, o fim da CPI da Pandemia marca mais um capítulo de intenso desgaste para um presidente que vive seu pior nível de aprovação popular e que se encaminha para o ano eleitoral extremamente enfraquecido.

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Aos corruptos, as algemas

Cícero Belmar*

 

Nada de dourar a pílula: estamos sob a vigência do mal. Ainda que não seja dita assim, com todas as letras, essa será a conclusão primordial do relatório da CPI da Pandemia, a ser apresentado e votado esta semana. Após seis meses de trabalho meticuloso, o resultado da apuração dos senadores, que trabalharam baseados em fatos e evidências, não poderá ser outro.

O relatório terá que oferecer uma narrativa sobre a atitude de pessoas que tinham o livre arbítrio para agir, mas escolheram não fazer o bem. O que resultou na morte de mais de 600 mil brasileiros. E também vai se aprofundar na origem de uma prática nociva e abusiva; e de como ela foi concebida. Um mal popularmente conhecido pelo nome de corrupção.

Esta CPI da Pandemia já é o maior e mais importante acontecimento político, sanitário, humanitário e ético deste ano. Político porque terá consequências inclusive eleitorais; sanitário porque se configurou como política pública de enfretamento à crise; humanitário e ético porque a corrupção, que ela tem a coragem de denunciar, é duplamente violenta.

Duas vezes violenta, sim. Em primeiro lugar porque toda corrupção é agressiva e perniciosa por si. Ela é naturalmente causa de injustiças e desigualdades sociais. Em segundo porque, nesta pandemia, foi o motivo direto de muito sofrimento. Tanto quanto a própria covid-19.

Desde fevereiro do ano passado, o brasileiro vem sendo vítima de grupos e de pessoas que se aproveitam de um drama para tirar proveito de bens públicos. É impressionante como os desonestos são ágeis quando têm que arquitetar maldades.

Houve milhares de mortes. O Ministério da Saúde deixou faltar oxigênio nos kits de intubação. Nós, humanos, fomos cobaias de medicamentos que, de antemão, já se sabia que não tinham indicação para a covid-19. O presidente e seus asseclas atacaram o uso de máscaras e as medidas sanitárias para conter o vírus. Eles também desencadearam uma campanha que atrapalhou a vacinação num primeiro momento.

Tem mais. Os planos de saúde não nos enxergaram enquanto cidadãos de direitos. Só como consumidores. Esses covardes todos viram que, na pandemia, não estávamos atentos e perceberam que era uma boa oportunidade de nos prejudicar. De surrupiar. De passar a boiada. E até de facilitar a morte de quem estava hospitalizado tendo em vista que “óbito também é alta médica”. Que merda!

O relatório da CPI da Pandemia nos oferece uma oportunidade de refletir sobre nossos políticos. Mostra, ainda, que a corrupção não é exclusiva desses, mas também dos empresários. Uns e outros, movidos pelo mal, agiram como verdadeiros serial killers.

Descobrimos fatalmente que somos impotentes e frágeis diante deste mal. E que esse tipo de demônio se realiza nas ações humanas. As pessoas podem personificar o mal, sim, quando têm a oportunidade de escolher. E é assim que optam pelas ações que prejudicam, matam, escravizam, levam à miséria e à dor. Foi o que aconteceu.

O mal da corrupção aprofundou ainda mais a pandemia, que já era terrível enquanto catástrofe “natural”. Mas, nós temos o antídoto certo contra o dragão da maldade: a nossa união e o nosso voto.

O ano de 2022 está batendo na porta, para nos vingar. E a Justiça, se quiser fazer o bem, tem o remédio certo: dar a ordem para a polícia colocar um par de algemas em cada um desses diabos.

*Cícero Belmar  é escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças de teatro e livros para crianças e jovens. Membro da Academia Pernambucana de Letras. 

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Veja: Escolha o tema e a gente comenta https://bit.ly/2YS51Di


O que é prevaricação, crime que CPI da Covid investiga se Bolsonaro cometeu no caso Covaxin

Senadores da CPI da Covid dizem que vão apresentar ao STF os indícios de que Bolsonaro cometeu crime de prevaricação. Presidente e aliados negam irregularidade na compra da vacina indiana.
BBC Brasil

 

O deputado federal Luís Claudio Miranda (DEM-DF) afirmou, em depoimento à CPI da Covid nesta sexta (26), ter informado o presidente Jair Bolsonaro em março sobre um suposto esquema ilegal em torno da compra bilionária da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde.


Segundo ele, durante a reunião, Bolsonaro disse que sabia que um deputado da base do governo estava envolvido no caso e que levaria a denúncia ao delegado-geral da Polícia Federal, o que não foi feito.


Questionado pela CPI da Covid, no Senado, sobre quem seria esse deputado, Miranda disse que Bolsonaro se referia ao líder do governo no Congresso, o deputado Ricardo Barros (PP-PR).


Diante dessas informações, a cúpula da CPI informou que pretende levar ao Supremo Tribunal Federal (STF) os índícios colhidos pela comissão de que Bolsonaro cometeu crime de prevaricação.


Para o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), o presidente prevaricou ao não pedir investigação sobre o caso. "O presidente não mandou investigar absolutamente nada", afirmou. "Para quem joga pedra em todos, ele prevaricou. Prevaricou", disse.


Em nota publicada nas redes sociais, Barros afirmou que não participou "de nenhuma negociação em relação à compra das vacinas Covaxin." Já Bolsonaro afirmou ter se reunido com o deputado aliado e o irmão dele em março, mas disse que ambos não relataram suspeitas de corrupção.


Mas afinal, o que é prevaricação?


Segundo o Código Penal brasileiro, o crime de prevaricação ocorre quando um funcionário público "retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal".


Nesse caso específico, seria uma suposta não comunicação de uma eventual irregularidade para outras autoridades investigarem. O Código Penal prevê pena de três meses a um ano de prisão e multa.


Articuladores de um "megapedido" de impeachment contra Bolsonaro, a ser apresentado na próxima semana à Câmara, cogitam incluir as denúncias dos irmãos Miranda entre acusações de crime de responsabilidade que o presidente teria cometido.


E em coletiva de imprensa na noite de sexta (25), presidente, vice-presidente e relator da CPI da Covid disseram que devem levar as evidências contra Bolsonaro no caso Covaxin ao STF.


Segundo eles, o envio das informações para que o tribunal decida sobre abertura de investigação ou ação penal será votado pela comissão nas próximas semanas.

O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), disse que a comissão agora investiga se houve desvio de dinheiro e beneficiamento pessoal na compra da vacina indiana.


"Essa negociação da Covaxin é completamente eivada de irregularidade e de fraude, em todos os sentidos. Primeiro, a vacina com o menor tempo de validade e o maior preço. Segundo, a única aquisição que tinha um atravessador – a Precisa. Terceiro, esse atravessador pediu adiantamento e indicou para receber uma outra empresa constituída em paraíso fiscal, para claramente burlar o controle e a fiscalização. Então, com a vinda dos irmãos Miranda, nós possibilitamos esse grande dia", afirmou.


PF diz não ter investigação aberta sobre denúncia


Em 24/06, o jornal Folha de S.Paulo divulgou que a Polícia Federal não identificou nenhuma investigação sobre supostas irregularidades na aquisição de doses da vacina Covaxin por R$ 1,6 bilhão.


Em 23/06, o ministro Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral da Presidência) não citou nenhuma apuração sobre a denúncia que Miranda diz ter feito ao presidente da República. Além disso, afirmou que as provas apresentadas pelos irmãos Miranda eram fraudulentas e que ambos deveriam ser investigados sob suspeita de denunciação caluniosa.


"Por que um servidor que identifica um possível erro, uma fraude, não leva ao seu superior hierárquico? É dever dele. Aí está a prevaricação", questionou o ministro, acusando o servidor Luís Ricardo Miranda, irmão do deputado, de demorar a apresentar sua denúncia, já que a compra das doses foi firmada em fevereiro.


No dia seguinte, Onyx passou a divulgar, por meio de aliados na CPI da Covid, que o presidente havia repassado a denúncia dos irmãos Miranda para o então ministro Eduardo Pazuello (Saúde) apurar. Este, segundo Onyx, não identificou nenhuma irregularidade e as negociações prosseguiram.


Segundo o deputado Luís Claudio Miranda, a denúncia foi levada diretamente ao presidente porque seu irmão disse não confiar em ninguém no ministério para apresentar suspeitas de irregularidade dentro da pasta.


As negociações para a compra da Covaxin estão sendo investigadas também pelo Ministério Público Federal. Em depoimento ao órgão, o servidor afirmou ter sofrido "pressão atípica" para agilizar a importação do imunizante e que se recusou a assinar um documento que garantiria o pagamento de US$ 45 milhões antes da entrega das doses, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, que teve acesso ao depoimento sigiloso.


A aquisição da Covaxin envolveu uma empresa intermediária (Precisa Medicamentos) entre o Ministério da Saúde e a fabricante estrangeira. Além disso, um dos sócios da Precisa é investigado por meio de outra empresa sob suspeita de ter recebido R$ 20 milhões do Ministério da Saúde e não ter entregado os medicamentos pagos.


O caso levou o então ministro da Saúde e hoje líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), a responder a um processo sob acusação de improbidade administrativa.

Mas quais são os indícios contra Bolsonaro que os senadores da CPI da Covid pretendem levar ao STF?


Três suspeitas ligadas à compra da Covaxin


1. Preço elevado e falta de aprovação

Segundo a reportagem do jornal Estado de S. Paulo, a CPI obteve telegrama sigiloso enviado em agosto ao Itamaraty pela embaixada brasileira em Nova Délhi informando que o imunizante produzido pela Bharat Biotech tinha o preço estimado em US$ 1,34 por dose.


Em fevereiro, porém, o Ministério da Saúde concordou em pagar US$ 15 por unidade (R$ 80,70 na cotação da época), o que fez da Covaxin a mais cara das seis vacinas compradas até agora pelo Brasil. Na ocasião, o ministro da Saúde ainda era o general Eduardo Pazuello.


Em nota enviada à BBC News Brasil, a Bharat Biotech, fabricante da Covaxin, diz que as doses do imunizante são vendidas ao exterior a valores que variam de US$ 15 a US$ 20.


O valor final aceito pelo governo brasileiro chama atenção também porque Pazuello afirmou à CPI que um dos motivos para sua gestão recusar a oferta de 70 milhões de doses da americana Pfizer em 2020 seria o preço alto do imunizante. A vacina, porém, foi oferecida ao Brasil por US$ 10, metade do que a própria farmacêutica cobrou dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido.


Outra razão apresentada por Pazuello para rejeitar a oferta da Pfizer em 2020 foi o fato de a vacina, naquele momento, ainda não ter a aprovação da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). No entanto, o contrato da Covaxin foi firmado sem essa aprovação prévia. Apenas no início de junho a importação foi autorizada, com algumas restrições.


2. Suposta pressão para acelerar contrato

O Ministério Público Federal (MPF) está investigando se houve irregularidades no contrato com a Precisa Medicamentos, que intermediou o negócio com a empresa indiana. Aos procuradores do caso, o chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, relatou ter sofrido "pressão incomum" para fechar a compra, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, que teve acesso ao depoimento sigiloso do servidor.


Na oitiva, ele apontou como um dos responsáveis por essa pressão o tenente-coronel Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde na gestão Pazuello.


CPI da Covid aprovou a quebra de sigilo telefônico, fiscal, bancário e telemático de Marinho, que também será convocado a depor na comissão, mas a data ainda será marcada.


Luís Ricardo Miranda disse ter identificado diversos problemas no contrato de compra dos imunizantes, como divergências em informações da nota fiscal e envio de doses próximas do prazo de validade.


O sócio-administrador da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, deve ser ouvido na próxima semana pela CPI, em data ainda a ser confirmada.

Por meio de nota à reportagem, a Precisa diz que "as tratativas entre a empresa e o Ministério da Saúde seguiram todos os caminhos formais e foram realizadas de forma transparente junto aos departamentos responsáveis do órgão federal".

Depois que a denúncia dos irmãos Miranda veio à tona, o presidente passou a afirmar que não houve nenhuma irregularidade porque o governo federal não desembolsou os recursos para comprar as 20 milhões de doses da Covaxin.


"Não gastamos um centavo com a Covaxin, não recebemos uma dose de vacina da Covaxin, que corrupção é essa? Ele não falou em nada de corrupção em andamento. Ele conversou comigo sim, não vou negar, mas não aconteceu nada", afirmou Bolsonaro na live transmitida em 24/06. Além disso, o governo federal tem avaliado cancelar a compra.


Mas a procuradora da República Luciana Loureiro, que investiga a compra da Covaxin, afirmou à Folha de S.Paulo que o fato de o governo Bolsonaro ter reservado os R$ 1,6 bilhão já configura prejuízo à saúde pública.


Segundo ela, isso se dá porque o governo autorizou o gasto em fevereiro, mas até hoje não recebeu as doses contratadas que já deveria ter recebido (o que configuraria quebra do contrato, mas o Ministério da Saúde deixou de cobrar a empresa). "Enquanto houver a nota de empenho, enquanto ela estiver válida, o recurso está reservado para isso", afirmou Loureiro à Folha de S.Paulo.


3. Suspeitas sobre empresa ligada à intermediária

Como dito acima, a Global Gestão em Saúde, que tem sócio em comum com a Precisa Medicamentos, tem suspeitas prévias de irregularidade em contrato com o Ministério da Saúde.


Em 2017, quando o ministro da Saúde era o deputado federal Ricardo Barros (PP-RS), hoje líder do governo Bolsonaro na Câmara, a Global Gestão em Saúde venceu um processo de compra emergencial para fornecer medicamentos à pasta, mas não entregou os remédios, mesmo tendo recebido o pagamento antecipado de R$ 19,9 milhões.


Ministério Público Federal denunciou representantes da empresa e o ex-ministro. Segundo o MPF, a empresa ganhou o processo de compra mesmo sem atender a todos os requisitos, como ter registro para importação dos medicamentos na Anvisa.


A denúncia tramita atualmente na Justiça Federal em Brasília. Barros negou ao jornal O Globo qualquer irregularidade no caso e que passou a ser alvo por ter enfrentado monopólios farmacêuticos. A Global não se manifestou sobre a investigação.

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