08 outubro 2021

Leilão frustrado

Pernambuco derrota Bolsonaro no leilão da Bacia Potiguar
José Bertotti*, no Portal da Fundação Maurício Grabois

 


A pressão do governo de Pernambuco e da sociedade por um novo modelo de desenvolvimento derrotou objetivo de Bolsonaro de leiloar a Bacia Potiguar na 17ª Rodada da Agência Nacional do Petróleo. "A devastação da nossa biodiversidade e a forma como o capitalismo avança nas atividades econômicas com degradação da natureza, como fonte inesgotável de recursos naturais, não deve mais continuar dessa forma", alerta José Bertotti, Secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, neste artigo.

A pressão popular e a firme posição do governo de Pernambuco de contestar a inclusão da bacia Potiguar na leilão de petróleo da décima sétima rodada da ANP foi decisiva para que o leilão não tivesse nenhuma empresa interessada em arrematar aquele lote. Estamos tratando de um patrimônio natural da humanidade tombado pela UNESCO há vinte anos. Esse patrimônio se colocado em risco pode ameaçar todo o equilíbrio de um ecossistema que representa uma importante reserva da biodiversidade do planeta.

Desde que foi anunciada a inclusão da bacia Potiguar o Governo de Pernambuco, através da Secretaria de Meio Ambiente sustentabilidade e da Agência Ambiental - CPRH, fizeram todos os esforços para demonstrar que as áreas sensíveis submetidas a leilão precisavam passar por análise prévia de sensibilidade a abalos sísmicos. Essa diretiva está confirmada pelo relatório do ICMBio que informou ao Ministério do Meio Ambiente e ao Ministério das Minas e Energias que seria temerária a inclusão da Bacia Potiguar pela sua proximidade ao Arquipélago de Fernando de Noronha e ao Atol das Rocas.

No Conselho Gestor do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, a Semas propôs a criação de um grupo de trabalho envolvendo as universidades que fazem parte do conselho e foi coordenado pelo oceanógrafo e Vice Reitor da UFPE, Moacir Araújo. Ele aprofundou os estudos sobre os riscos envolvidos na exploração de petróleo na bacia Potiguar identificando que não se trata tão somente da proximidade do arquipélago de Fernando e Noronha e sim de uma cadeia de montanhas submersas que se estende pelo litoral brasileiro até Fernando de Noronha constituindo um conjunto de estruturas rochosas submersa na qual algumas delas emergem como Fernando Noronha.

São exatamente elas que constituem o habitat para uma quantidade expressiva de espécies da natureza que vão de corais a animais marinhos, de pequeno a grande porte. Tais cadeias montanhas representam essa riqueza biológica que será colocada em risco. Por isso, esses documentos foram citados e, mesmo assim, não causaram efeito para que o Ministério das Minas Energia e o Ministério do Meio Ambiente se manifestassem de forma que, seguindo o rito de processos prévio aos leilões, solicitassem a necessária análise prévia de bacias sedimentares em áreas sensíveis.

Ainda no esforço de impedir a realização desse leilão, foi feita uma audiência pública em Brasília, na Câmara dos Deputados, solicitada pelo deputado Felipe Carreras da qual eu estive presente juntamente com Guilherme Rocha, administrador de Fernando de Noronha. Deve-se destacar que convidado o ministro do Meio Ambiente se negou a participar e não mandou nenhum representante. O Governo Federal apenas contou com representantes do Ministério das Minas e Energia que apresentou uma análise muito simplificada para justificar a não realização dos estudos prévios dizendo que Noronha estava apenas a 200 km da bacia Potiguar e que, segundo as análises feitas, as correntes marítimas se dirigiam de Leste para Oeste e que não causaria nenhum dano a Noronha caso viesse a acontecer algum vazamento de petróleo. Noronha, dessa maneira, estaria protegida.  No entanto, é importante salientar que nós enfrentamos a crise do derramamento de óleo em 2019 e verificamos que o litoral nordestino foi afetado em toda sua extensão, e segundo simulações, o petróleo teria sido derramado a mais de 600 Km da costa.

Como medida última e necessária, o governador Paulo Câmara autorizou a Procuradoria Geral do Estado com base nas notas técnicas emitidas pela Agência Ambiental de Pernambuco - CPRH, a entrar com uma ação impeditiva da inclusão da bacia Potiguar no leilão que aconteceu no dia 7 de outubro, somando-se a diversas outras iniciativas do MPF e de diversas entidades da sociedade civil.

Como resultado dessas ações, algumas liminares foram concedidas. Mas, todas elas foram derrubadas antes da realização do leilão, cabendo agora a análise do mérito das ações movidas.

Com relação ao leilão, ele acabou sendo realizado. No entanto, tornou-se um imenso fracasso do Governo Federal porque nenhuma empresa decidiu arrematar os blocos que envolvessem as áreas sensíveis, mais especificamente a bacia Potiguar. Felizmente, a mobilização popular, a firme decisão do governo de Pernambuco - baseada no rito processual que deve garantir proteção a áreas sensíveis e que não se contrapõe a processos de exploração de qualquer recurso natural que seja necessário para garantir o desenvolvimento brasileiro - deve ter ganho um papel relevante na decisão das empresas que estavam habilitadas e declinaram de apresentar propostas.

Fica a lição de que exploração de recursos naturais só pode ser feita quando se dá segurança e proteção ao meio ambiente. Vivemos um tempo de emergência climática a devastação da nossa biodiversidade e a forma como o capitalismo avança nas atividades econômicas com degradação da natureza   como fonte inesgotável de recursos naturais não deve mais continuar dessa forma.

Os graves transtornos oriundos das já sentidas mudanças climáticas indicam que a preservação do meio ambiente não tem contradição com o desenvolvimento econômico, pois um novo projeto de desenvolvimento precisa ser construído, novas soluções tecnológicas que identifique mecanismos que possam avançar na inclusão social a partir da geração de empregos sustentáveis deve ser a tônica para que o Brasil possa sair dessa crise econômica que vive e constitua um projeto Nacional de desenvolvimento sustentável.

*José Bertotti é Secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, Professor, Químico Industrial e Mestre em Engenharia de Produção

 Veja: Quem semeia o caos colhe o quê? https://youtu.be/yLfPBPiRBik 

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