11 outubro 2021

Nordeste não se dobra

Um exemplo do Nordeste: não ao negacionismo da ciência, por Sergio Rezende
O ex-ministro no governo Lula diz que na região Bolsonaro foi derrotado nas eleições de 2018. Portanto, naqueles estados ele tem menos seguidores para “suas macabras recomendações”
Sergio Rezende, portal Vermelho www.vermelho.org.br


Nos primeiros dias de 2020 o mundo tomou conhecimento de uma informação preocupante vinda da cidade de Wuhan, na China. Uma doença até então desconhecida, transmitida por um novo coronavírus, em pouco tempo debilitava as pessoas e podia levar à morte. A doença, que recebeu o nome de covid-19, causou uma epidemia que fez o governo local decretar “ lockdown ” e construir um hospital de campanha para a internação dos doentes que se multiplicavam. E as atenções do mundo voltaram-se para a China.

Muitos acreditavam que a nova doença ficaria confinada à China, mas logo os primeiros casos da covid-19 foram anunciados na Itália e na Alemanha, em pessoas infectadas por viajantes que chegavam da China. Em algumas semanas a epidemia se espalhava na Itália, Alemanha, França, Espanha, Reino Unido, e chegava aos Estados Unidos. No início de março a OMS (Organização Mundial da Saúde) reconhecia a situação de pandemia, quando 114 países anunciavam a infecção de mais de 118.000 pessoas.

Logo a ciência entrou em cena, identificando os efeitos da covid-19, como danos permanentes aos pulmões, por síndrome respiratória aguda, e ao coração, deixando sequelas graves e até levando a óbito. Também houve grande avanço nos métodos de testagem, mas nenhum medicamento específico para o tratamento da doença foi identificado, e nenhum tratamento precoce teve sua eficácia comprovada cientificamente. A ciência também ajusta que o novo coronavírus, denominado Sars-CoV-2, era transmitido no contato entre as pessoas, ou por meio de gotículas expelidas por tosse, espirro, etc. Então, uma única maneira de controlar uma epidemia era o isolamento social , uso de máscaras, higienização sistemática, etc.

Ainda em março foram identificados os primeiros casos da covid-19 no Brasil em turistas que chegavam da Europa. A reação imediata do presidente da República foi a negação da gravidade da doença, dizendo que em pessoas saudáveis ​​ela causaria no máximo uma gripezinha, e aconselhando uma população a continuar a vida normal. Foi então que os governadores dos 9 Estados do Nordeste, reunidos no Consórcio Nordeste, criaram o Comitê Científico de Combate ao Coronavírus (C4), formado por cientistas especializados nos vários temas relacionados à doença. Logo o C4 passou a emitir boletins com recomendações de ações para a contenção do espalhamento do novo coronavírus, informações para equipes de saúde, análises de cenários e riscos, entre outros, com base no melhor conhecimento científico existente.

A 1ª recomendação do Boletim 1 era enfática: os Estados e municípios deveriam impor medidas restritivas de distanciamento social, que eram essenciais para conter o avanço da epidemia. Ela foi acatada pelos governos do Nordeste, porém a epidemia expandiu na região, facilitada por ser uma das regiões mais pobres do país, com enormes desigualdades sociais, com aglomeração de pessoas nas moradias e trabalhando em setores comerciais informais ou desestruturados.

Seis meses após o início da pandemia no Brasil os números de casos e óbitos pela covid-19 começavam a diminuir, indicando o final de uma “onda epidêmica” muito mais longa que nos países europeus, onde a queda se verificou dois a três meses após o início, em razão das medidas restritivas logo implantadas. Entretanto, as aglomerações causadas pelas alterações municipais e pelas festas de final do ano levaram ao início da 2ª onda.

Na final de 2020 o mundo tomou conhecimento de outra vitória da ciência, o desenvolvimento em tempo recorde de vacinas contra a covid-19. Graças aos avanços na biotecnologia, pesquisadores em universidades e centros de pesquisa, em articulação com empresas farmacêuticas, ainda no meio do ano já anunciavam o início de testes em humanos de várias vacinas candidatas. Nesta época, empresas estrangeiras procuraram o governo brasileiro para oferecer suas futuras vacinas. O governo rejeitou todas elas, pois o presidente da república afirmava que não seriam necessárias.

Nos primeiros meses do ano rimeiros meses do ano a segunda onda da pandemia ganhou corpo no Brasil, e como em outros países foi mais intensa que a primeira. No início de abril a média móvel de sete dias de casos de covid-19 atingiu 100 mil, enquanto a média de óbitos atingiu 3,1 mil. Em dias de pico houve cerca de 4,5 óbitos. Desde então os números têm caido lentamente, mas o número total de mortes pela covid-19 chega à terrível marca de 600 mil. Uma verdadeira tragédia! Resultado, em grande parte, da inépcia do governo federal, da permanente atitude negacionista do presidente da república e suas campanhas contra o isolamento social, contra o uso de máscaras de proteção, e até contra a vacina, influenciando diretamente a parte da população, em especial seus seguidores mais fanáticos.

No balanço geral da crise da covid-19 no Brasil, a distribuição geográfica tem implicações significativas. No início da epidemia, alguns Estados do Nordeste apresentavam os piores desempenhos, e os prognósticos de especialistas para a região eram muito sombrios. Porém, após 18 meses, em 8 de outubro de 2021, quando o número de mortes no país chega a 600 mil , o número na Região Nordeste é 117 mil. Este número é absurdamente alto, mas corresponde a 19,5% do total, enquanto o percentual da população nordestina é 27,5%.

Em outra comparação, a média de óbitos doença pela doença no país alcança 282 por 100 mil habitantes, mas todos os estados nordestinos têm menos óbitos que a média nacional. A menor taxa do país é a do Maranhão, com 143/100 mil. A 2ª menor é da Bahia, 181/100 mil. Depois Alagoas, 186/100 mil; e Pernambuco com 206/100 mil.

Há duas razões para este cenário. Uma é que em todos os Estados do Nordeste, o presidente da República foi derrotado nas eleições de 2018. Portanto, no Nordeste ele tem menos seguidores para suas macabras recomendações. A outra, sem dúvida, é que os governadores e prefeitos da região rejeitaram o comportamento negacionista do presidente e seu governo e decidiram ouvir a ciência para tomar decisões no enfrentamento da maior crise sanitária já vivida pelo Brasil.

Sérgio Machado Rezende é professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco. Foi ministro da Ciência e Tecnologia (2005-2010) no governo Lula. É um dos coordenadores do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, e presidente de Honra da SBPC.

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Veja: Resistência democrática implica diálogo sem preconceitos https://bit.ly/3kbDHqq

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