22 outubro 2021

Sob cerco

As 9 acusações contra Bolsonaro no relatório da CPI - e a manobra governista para tentar blindá-lo

Leandro Prazeres, BBC Brasil

 

Após o relatório da CPI da Covid no Senado acusar o presidente Jair Bolsonaro de nove crimes durante a pandemia, um senador da bancada governista tentou uma manobra para "blindar" o chefe do Executivo e impedir que o documento sugerisse o indiciamento de Bolsonaro.

A manobra, porém, foi rechaçada pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). "O presidente cometeu muitos crimes e vai pagar por eles", disse Aziz.

A manobra foi tentada pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO) na sessão desta quarta-feira (20/10), na sessão da CPI em que o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), leu o relatório que acusa o presidente de ter cometido nove crimes.

Em evento no Ceará, após a leitura, Bolsonaro negou ter cometido qualquer irregularidade: "Como seria bom se aquela CPI tivesse fazendo algo de produtivo para o nosso Brasil. Tomaram tempo de nosso ministro da Saúde, de servidores, de pessoas humildes e de empresários. Nada produziram, a não ser o ódio e o rancor entre alguns de nós. Mas nós sabemos que não temos culpa de absolutamente nada. Sabemos que fizemos a coisa certa desde o primeiro momento".

Marcos Rogério fez um pedido a Aziz para que o relatório não pudesse propor o indiciamento de Bolsonaro. Ele argumentou que, na medida em que a Constituição Federal isentaria presidentes da República de prestar depoimentos à comissões do Congresso Nacional, a CPI não teria competência para propor o indiciamento de Bolsonaro.

"Se este colegiado não tem competência sequer para ouvir o presidente da República e investigá-lo por infração penal, obviamente não pode indiciá-lo. Não pode imputar a ele a prática de infração", afirmou o senador.

Omar Aziz, porém, negou o pedido de Marcos Rogério.

"Nenhum cidadão está acima da lei e isso vale inclusive para o presidente Jair Messias Bolsonaro […] O presidente vai ser investigado, sim, porque tem provas muito grandes da conduta dele", afirmou o presidente da CPI.

Crimes contra humanidade e epidemia

O relatório final da CPI da Covid no Senado sugere o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro por nove tipos de crimes diferentes entre eles: crimes contra a humanidade, charlatanismo e epidemia. O documento foi divulgado nesta quarta-feira (20/10).

Além de Bolsonaro, o relatório sugere o indiciamento de outras 65 pessoas e duas empresas. Entre os citados estão ministros, ex-ministros, políticos como os filhos de Bolsonaro e empresários.

Ao todo, Jair Bolsonaro é acusado de nove crimes: epidemia, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documentos, uso irregular de verbas públicas, prevaricação (quando um servidor pública deixa de agir diante de uma irregularidade), crimes contra a humanidade, violação de direito social e crime de responsabilidade.

O documento final traz significativas diferenças em relação à versão entregue aos senadores do chamado G7 (grupo majoritário da CPI) na terça-feira. Nele, Renan Calheiros sugeria o indiciamento de Bolsonaro por mais dois crimes: genocídio e homicídio qualificado.

A imputação desses dois crimes ao presidente causou um racha no grupo e fez com que o grupo se reunisse na noite de terça-feira com Renan. Parlamentares como Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmavam que haveria problemas técnicos em classificar os atos de Bolsonaro como genocídio contra povos indígenas pois não haveria indícios de que ele tomou ações direcionadas ao extermínio de povos originários.

Ele também questionava a possibilidade de enquadrar Bolsonaro no crime de homicídio qualificado uma vez que o crime requer a identificação específica das vítimas.

Ao final da reunião, Renan cedeu à pressão do grupo e retirou do seu relatório as imputações de genocídio e homicídio qualificado contra o presidente.

Na manhã desta quarta-feira, Renan Calheiros explicou que fez a troca atendendo ao pedido dos parlamentares.

"O genocídio não foi retirado, foi trocado por mais um indiciamento de crimes contra a humanidade [...] Nós nos rendemos aos argumentos técnicos do senador Alessandro Vieira", afirmou.

Ele será indiciado por crimes contra a humanidade na questão da Prevent Senior, de Manaus e dos povos indígenas. O que foi retirado foi o crime de homicídio.

Ainda segundo o relator, ele pede o indiciamento de Bolsonaro por crimes contra a humanidade em três episódios: os estudos e tratamentos à base de medicamentos sem eficiência comprovada pela operadora de saúde Prevent Senior, na condução da crise de saúde em Manaus e nas ações voltadas aos povos indígenas.

Entre os demais nomes, estão os três filhos mais velhos de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Eles são acusados de incitação ao crime por terem incentivado o descumprimento de medidas sanitárias.

O relatório também sugere o indiciamento de ministros como Walter Souza Braga Netto (Defesa), Marcelo Queiroga (Saúde) e Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral da Presidência da República). Ex-ministros como Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores) também estão no documento.

O relatório foi elaborado por Renan Calheiros ao longo dos seis meses de trabalho da comissão. Depois de lido, o documento precisa ser votado pelos integrantes da CPI. Se aprovado, o relatório, depois, será encaminhado à Procuradoria Geral da República (PGR) e outras instâncias do Ministério Público, que ficará responsável por instaurar ou não processos baseados no relatório.

Em entrevista à BBC News Brasil, Renan confirmou que irá apresentar uma denúncia contra Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda.

 

Veja: Congresso aponta rumos para salvar o Brasil da crise https://bit.ly/3m3IpbJ

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