08 novembro 2021

Crônica da segunda-feira

A gente esquece que morre

Melka*

 

A gente esquece que morre, até alguém morrer perto da gente. A morte sempre manda recados, independente de como ela aconteça. A gente então é avisado, ou até aprende, aí a vida segue, a gente vive e voltamos a ser imorríveis porque a gente esquece novamente que podemos partir a qualquer momento. Até morrer alguém de novo, alguém que te toque, que você sinta o impacto. É assim pelo menos pra mim.

A compreensão da finitude da vida é uma variável importante pra quem sabe do valor de viver. A vida é preciosa. Nós precisamos viver a vida que cada um de nós temos nas mãos, algumas condições de vida não são fáceis, elas são desumanas, degradantes, e ainda assim é preciso vivê-la. Estar vivo é uma oportunidade, de aprender, viver, sentir, amar, perdoar, de enfrentar as dificuldades que a vida carrega ou de ajudar a facilitar as dificuldades daqueles que estão por perto através da consciência que somos um grande coletivo.

É preciso da morte pra lembrar que a gente morre, é preciso lembrar que a vida finda. E assim é preciso ter sabedoria pra conviver com essa condição, a condição de que a morte pode estar a minutos de distância. Não estou fazendo terrorismo, muito pelo contrário, eu quero lembrar com essas linhas que precisamos viver, viver bem.

Perdi meu pai recentemente e de alguma forma carrego comigo o alívio da certeza que não ficou pendências entre nossa relação, tudo foi dito. Não ter pendências é um exercício. Se você morrer hoje, vai ficar alguma pendência? Não tô falando de conta pra pagar, ou de alguém que vamos deixar sem nossa presença, essas questões não estão sob nosso controle, me refiro a seus afetos, suas relações, seu modo de viver consigo e com os que te cercam, isso sim está no nosso controle.

Compreende? O que podemos mudar, fazer, viver hoje para estar bem? Se não depende de você, paciência, se tá nas tuas mãos, aja. Desejo a você que esta vida aqui seja boa, não seja à toa e que seja proveitosa e não apenas produtiva. Respire, se conecte com você, pare, faça a sua parte e ame. Como disse Neruda: se nada nos salva da morte, ao menos que o amor nos salve da vida.

[Ilustração: Morteza Katuzian]

*Melka Pinto, ex-presidente da UEP-União dos Estudantes de Pernambuco, enfermeira, Mestre em Saúde Pública

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