A gente esquece que morre
Melka*
A gente esquece que morre, até alguém
morrer perto da gente. A morte sempre manda recados, independente de como ela
aconteça. A gente então é avisado, ou até aprende, aí a vida segue, a gente
vive e voltamos a ser imorríveis porque a gente esquece novamente que podemos
partir a qualquer momento. Até morrer alguém de novo, alguém que te toque, que
você sinta o impacto. É assim pelo menos pra mim.
A compreensão da finitude da vida é uma
variável importante pra quem sabe do valor de viver. A vida é preciosa. Nós
precisamos viver a vida que cada um de nós temos nas mãos, algumas condições de
vida não são fáceis, elas são desumanas, degradantes, e ainda assim é preciso
vivê-la. Estar vivo é uma oportunidade, de aprender, viver, sentir, amar,
perdoar, de enfrentar as dificuldades que a vida carrega ou de ajudar a
facilitar as dificuldades daqueles que estão por perto através da consciência
que somos um grande coletivo.
É preciso da morte pra lembrar que a
gente morre, é preciso lembrar que a vida finda. E assim é preciso ter
sabedoria pra conviver com essa condição, a condição de que a morte pode estar
a minutos de distância. Não estou fazendo terrorismo, muito pelo contrário, eu
quero lembrar com essas linhas que precisamos viver, viver bem.
Perdi meu pai recentemente e de alguma
forma carrego comigo o alívio da certeza que não ficou pendências entre nossa
relação, tudo foi dito. Não ter pendências é um exercício. Se você morrer hoje,
vai ficar alguma pendência? Não tô falando de conta pra pagar, ou de alguém que
vamos deixar sem nossa presença, essas questões não estão sob nosso controle,
me refiro a seus afetos, suas relações, seu modo de viver consigo e com os que
te cercam, isso sim está no nosso controle.
Compreende? O que podemos mudar, fazer,
viver hoje para estar bem? Se não depende de você, paciência, se tá nas tuas
mãos, aja. Desejo a você que esta vida aqui seja boa, não seja à toa e que seja
proveitosa e não apenas produtiva. Respire, se conecte com você, pare, faça a
sua parte e ame. Como disse Neruda: se nada nos salva da morte, ao menos que o
amor nos salve da vida.
[Ilustração: Morteza Katuzian]
*Melka Pinto, ex-presidente da UEP-União dos Estudantes de Pernambuco, enfermeira, Mestre em Saúde Pública
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