Marrom e preto
Luciano Siqueira
O governador Miguel Arraes me alcançou logo cedo, pelo telefone fixo de minha residência (à época ainda não se usava celular):
— Luciano, pode vir aqui?
— Quando, Dr. Arraes?
— Agora, tenho uma certa pressa.
— Tudo bem, chego já.
O governador tinha pressa, eu me
apressei também. Rapidamente me aprontei e de Campo Grande, onde morava, ao
Palácio do Campo das Princesas, levei certamente entre 7 a 8 minutos.
Já não me recordo o teor de nossa
conversa. Certamente algo relacionado com as articulações políticas no âmbito
da Frente Popular de Pernambuco.
Arraes e o PCdoB mantiveram estreitas
relações durante cerca de 26 anos, desde que ele chegou do exílio, em 1979, à
sua morte, em 2005.
Em geral convergíamos em opiniões e
iniciativas, embora seja possível anotar várias circunstâncias em que
divergimos — como é natural entre aliados políticos que se respeitam e preservam
a independência mútua.
O fato é que ele me recebeu na
residência do Palácio, no segundo andar, para uma rodada de café.
Já por volta das 9 horas, nossa
conversa se encerrando, o governador olha para os meus pés e, meio que
surpreso, pergunta:
— Você sempre faz isso!?
Aí percebi a bobagem que tinha feito.
Na pressa, calcei sapatos de pares diferentes,
um preto e outro marrom.
Havia sido uma compra vantajosa, uma
pechincha qualquer que eu vira numa loja de shopping. O mesmo modelo, cores
diferentes.
Guardados juntos os dois pares de
sapato, eu nem percebi a diferença.
— Claro que não, governador. Na
correria para vir ao seu encontro me descuidei...
Bem-humorado, ele ainda me chacoalhou:
— Ainda dizem que comunista planeja
tudo. Mas na pressa, descuida dos detalhes!
Com uma sonora gargalhada, bem ao seu
estilo, deu por encerrada nossa conversa.
.
Veja:
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