Forças
Armadas exigem vacinas de militares, mas não contra a Covid-19
Generais
dizem que não há lei para a imunização, enquanto há obrigação para febre
amarela, hepatite B e outras doenças
Vinicius Sassine, Folha de S. Paulo
As Forças
Armadas permitem que militares da ativa deixem de se vacinar contra a Covid-19,
embora haja obrigatoriedade
estabelecida para imunização contra febre amarela, tétano,
hepatite B e outras doenças.
A dispensa de
exigência na caserna se estende a inspeções de saúde em situações específicas e
a missões militares dentro e fora do país.
A Folha pediu ao Ministério da Defesa e às três
Forças —Exército, Marinha e Aeronáutica— dados de vacinação e de rejeição à
vacinação contra Covid-19 entre os militares brasileiros, além de explicações
sobre obrigatoriedade de imunização. Não houve resposta por parte de nenhuma
das instituições.
Generais que
comandam tropas no Exército afirmaram, sob a condição de anonimato, que não há
obrigatoriedade de vacina contra Covid-19 porque não há uma lei que exija essa
imunização nos quartéis. Assim, segundo esses militares, não faz sentido cobrar
a vacinação nem mesmo nas inspeções de saúde feitas para a permanência na
ativa.
A escolha é
feita pelo militar, sem a necessidade de assinatura de um termo de
responsabilidade, conforme esses generais. Vacinas como a relacionada à febre
amarela são exigidas para missões em áreas endêmicas, dentro e fora do Brasil.
O mesmo não ocorre com o imunizante contra a Covid-19.
Para missões
internacionais, segundo as fontes ouvidas pela reportagem, a imunização acaba
ganhando caráter obrigatório em razão de exigências feitas nos países.
Apesar de não
haver obrigação, há incentivo para que os militares se vacinem, segundo os
generais ouvidos.
Na Marinha, as
normas existentes para inspeção de saúde preveem avaliação do cumprimento do
calendário de vacinação militar, definido pelo Ministério da Defesa, e até
mesmo incapacitação de militares que não tiverem cumprido o esquema de
vacinação e que forem servir em locais com baixa assistência sanitária.
Militares da
Marinha ouvidos pela reportagem disseram que as inspeções não vêm exigindo a
vacinação contra Covid-19.
A Aeronáutica
prevê que pilotos e tripulantes apresentem, nas inspeções de saúde,
certificação de vacina contra febre amarela, tétano e hepatite B.
Para quem quis
se vacinar, houve prioridade aos militares nas três Forças, em comparação com
os civis, como mostraram reportagens publicadas pela Folha em junho e
em julho.
Integrantes da caserna furaram a fila num momento em que faltavam vacinas para
a maioria da população.
A dispensa de
obrigação de vacina contra a Covid-19 ficou materializada em portaria do
gabinete do então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, que
atualizou o calendário de vacinação militar em 4 de novembro de 2020.
A portaria
estabelece a obrigatoriedade tanto de vacinas específicas quanto de
periodicidade de imunização. Esses imunizantes são necessários para matrícula
em cursos no sistema de ensino das Forças Armadas e para aptidão ao serviço
ativo a partir das inspeções de saúde.
Naquele
momento, já havia forte pressão para que o governo de Jair Bolsonaro (PL), um
negacionista da vacina, parasse de rejeitar propostas e adquirisse imunizantes
para o início da proteção da população contra o coronavírus.
Duas semanas
antes da portaria de Azevedo, por exemplo, o general da ativa Eduardo Pazuello,
então ministro da Saúde, fez a afirmação que resumiu o negacionismo de
Bolsonaro: "Senhores, é simples assim, um manda e o outro obedece",
afirmou o general, acatando ordem do presidente para cancelar protocolo de
intenções de compra de 46 milhões de doses da Coronavac.
O imunizante
acabou sendo comprado depois pelo governo federal. A vacinação só teve início
em 17 de janeiro de 2021, com o uso da Coronavac, historicamente rejeitada por
Bolsonaro.
O governo
também rejeitou ofertas da Pfizer feitas desde agosto de 2020. Uma carta enviada pela empresa
diretamente a Bolsonaro e a seu gabinete, em 12 de setembro de
2020, chegou a ficar quase dois meses sem resposta. A vacina da Pfizer também
acabou sendo adquirida pelo governo federal.
Azevedo, como
ministro da Defesa, foi responsável por garantir a produção de cloroquina –droga
sem eficácia para Covid-19 e carro-chefe de Bolsonaro na pandemia– pelo
Laboratório Químico Farmacêutico do Exército, com uso de recursos públicos –R$
1,1 milhão– destinados à Força. Ele também deu aval para que Pazuello fosse
ministro da Saúde e permanecesse na ativa do Exército.
O gesto de
deixar a vacina contra a Covid-19 fora da lista de imunizantes obrigatórios nos
quartéis esteve alinhado aos desejos do presidente.
Azevedo foi demitido pelo
presidente em março de 2021, assim como os comandantes das três Forças, na
maior crise militar desde a década de 70.
Agora, numa
iniciativa conjunta de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), ele foi indicado ao cargo de
diretor-geral do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Caberá a
ele supervisionar a tecnologia e a logística das urnas eletrônicas, também
atacadas por Bolsonaro.
.
Veja: São 9 crimes graves que esperam
andamento no Judiciário https://youtu.be/sJ2lSvc193E
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