12 janeiro 2022

Cássia Eller

Uma mulher como Cássia

Cícero Belmar*

 

Passava das 19h30 daquele sábado, 29 de dezembro de 2001, quando a televisão deu, em edição extraordinária, a notícia que me impactou: a cantora Cássia Eller morrera, após várias paradas cardíacas, em decorrência de um repentino infarto no miocárdio. Com que medida se conta o tempo? No dia 29 do mês passado fez 20 anos de sua passagem.

Custou-me acreditar naquela notícia. Ela estava no auge da carreira, com 39 anos. É estranho encarar a morte de um artista de sucesso, que você admira. Havia pouco mais de um mês que eu fora a um show dela numa casa de espetáculo do Recife.

Parece esquisito ter o sentimento de tristeza profunda por causa da morte de uma pessoa famosa, que sequer conhecia pessoalmente. Apesar de não ser próxima, a presença de Cássia Eller podia ser sentida em minha vida de alguma forma. Foi a minha cantora favorita.

Ela tinha muita coisa com que eu me identificava. Detonou rebeldias com bom humor e criatividade. Era uma celebridade que fazia a linha gente como a gente, totalmente avessa ao glamour, e muito importante como modelo de expressão e presentificação na vida.

Aquele vozeirão, a interpretação, as provocações, “pintas” e sarcasmos da artista no palco não combinavam com a ideia de morte. Ainda assim, não vi registros dos 20 anos do falecimento dela.

No dia do aniversário da morte só o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) fez uma homenagem, no site. Um levantamento entre as 337 gravações de Cássia, cadastradas no banco de dados do Ecad, mostrou as músicas interpretadas por ela, que são as mais tocadas nos últimos 10 anos.

A pesquisa revela “as 20 mais” de Cássia. Copio e colo, aqui, o ranking com as dez primeiras. São: O segundo sol, Malandragem, Por enquanto, Palavras ao vento, All star, Relicário, E.c.t., O meu mundo ficaria completo, Gatas extraordinárias e Luz dos olhos. A lista completa está no site do Ecad.

Coincidência: quando Cássia Eller morreu fazia 19 anos que outra cantora, Elis Regina, tinha se encantado. Em 5 de novembro do ano passado, Marília Mendonça faleceu, quando decorriam 19 anos da morte de Cássia. Só no final de dezembro é que faria 20.

Não estou comparando Marília com Elis ou com Cássia, tampouco gosto do gênero sertanejo. Mas é inegável que MM era dona de uma voz potente. As três morreram no auge, se encantaram de forma trágica, deixando milhares de fãs traumatizados. É grande a lista de artistas talentosos da música que partiram precocemente. Lembro-me, agora, de Amy Winehouse, Kurt Cobain, Jimi Hendrix, Janis Joplin. Há outros.

Eu gostava, de Cássia Eller, da voz, em primeiro lugar; o jeito de cantar, mas também o estilo bem humorado que sempre me proporcionava umas risadas; a maneira verdadeira e informal com que se apresentava.

Era moleca, um tipo que a gente achava que poderia deparar num boteco para trocar umas ideias e tomar umas doses. Ela tinha uma conexão com a alegria do cotidiano. Claro, cantava umas músicas tristes também. Mas não era comum a tristeza em suas interpretações.

A morte repentina de Cássia Eller me fez repensar várias coisas. Sobre a leveza da existência, o sentido do tempo, a capacidade de se dispor ao que produzimos. Quem trabalha com o artístico precisa daquela entrega. Na arte, como na vida, é fake se distanciar das verdades mais íntimas.

* Cícero Belmar  é escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças de teatro e livros para crianças e jovens. Membro da Academia Pernambucana de Letras

 Fique sabendo, em cima dos fatos https://bit.ly/3n47CDe

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