30 janeiro 2022

Crônica do domingo

O sacristão

Luciano Siqueira

 

Em breve intervalo no home office, aqui na rede da varanda, não sei exatamente o motivo, mas o fato é que me lembrei do sacristão da igreja do meu bairro.

Tempo da minha infância em Lagoa Seca, Natal.

Me esforcei muito para lembrar exatamente o nome dele, parece ser Asdrúbal ou Anibal, não tenho certeza.

Inesquecível no seu jeito simplório.

Frequentava a mercearia do meu pai, beneficiando-se da atenção que minha mãe pacientemente lhe dispensava.

"Ele é um homem feito, mas tem conversa de menino", dizia ela.

Quer um exemplo?

"Dona Oneide, o momento mais emocionante da festa do dia das mães foi quando o padre pediu: — Quem é filho se levante!"

Certamente padre nenhum faria algo tão ridículo, mas é o que ficou na memória do sacristão.

Engraçado mesmo é quando ele, sem saber, criava verdadeiros neologismos:

"Ocúmolo demais, nunca tinha visto um lugar assim tão deserto", disse certa vez.

Foi Humberto, meu irmão mais velho, que "traduziu" o estranho termo: "ocúmolo" deve derivar de oco, ou seja, lugar sem ninguém...

"Apenasmente" o amigo sacristão já dizia muitos anos antes de surgir na televisão a figura de Odorico Paraguaçu.

Também trocava palavras com frequência:

"É hospícioso!", querendo dizer auspicioso, sem nenhuma relação com hospício.

Inesquecível também porque usava corte de cabelo ao estilo militar e de uma certa feita, com a igreja em obras, eu e meu irmão Airton e amigos – traquinagem de crianças - nos divertimos nas novenas de maio, bem postados sobre metralhas nas janelas laterais próximas ao altar, usando estilingue e traque de massa, tentando alvejar a cabeça do esforçado auxiliar do padre na reza do terço.

O que rendeu uma reclamação indignada (com razão) no dia seguinte:

“Dona Oneide, seus filhos são educados e até já fizeram a primeira comunhão, como podem fazer uma coisa dessa!?”

Saímos da Lagoa Seca e perdemos de vista aquele que involuntariamente nos divertiu com seus desacertos linguísticos e atitudes infantis.

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