28 março 2022

Audácia centenária

Cem anos de um partido indispensável
Portal Vermelho


“Depois, quando surgiu o novo dia,
a mesma intrepidez e a mesma valentia,
trinta e três vozes no Distrito,
vozes no norte, no sul,
vozes que o povo escolheu
pra o povo representar,
anunciavam ao céu,
anunciavam ao mar
que o partido do povo ainda
existia,
que o partido do povo não morria
porque o povo não morre e eles
eram o povo.
Sempre se refazendo.
Sempre novo.
Sempre no mesmo rumo.
Sempre novo.”

(Mário Lago) 

É improvável que os nove homens reunidos na casa da Rua Visconde de Rio Branco, em Niterói, então capital do estado do Rio de Janeiro, no dia 22 de março de 1922, desconfiassem da dimensão de sua ousadia. No Brasil daquelas primeiras décadas do século 20, pipocavam, aqui e ali, partidos de origem operária, invariavelmente anarquistas, inexoravelmente marcados para morrer.

Eram, na prática, legendas regionais, sem expressão nacional. Embora combativas, tinham poucas condições de resistir à repressão – do Estado, da imprensa, das elites, de todo lugar. Não raro, estavam à margem do movimento comunista internacional, que ganhava impulso, mundo afora, com a Revolução Russa, de 1917, e a criação da Internacional Comunista, a 3ª Internacional, em 1919.

Mas, num golpe de audácia, os nove que se reuniram há cem anos, representando cerca de 50 membros de grupos comunistas pelo País afora, deram início à epopeia de um partido diferente de todos que já haviam existido – e que viriam a existir – no Brasil. Batizaram-no, a princípio, de Partido Comunista – Seção Brasileira da Internacional Comunista (PC-SBIC).

O congresso prosseguiu, nos dias 26 e 27 de março de 1922, no Rio de Janeiro. Em seu término, os nove fundadores deixaram-se fotografar e ainda cantaram A Internacional, o hino universal dos comunistas.

O ano da fundação da legenda – que logo seria rebatizada como Partido Comunista do Brasil, com a sigla PCB – foi fecundo de realizações extraordinárias. A Semana de Arte Moderna, promovida um mês antes, no Theatro Municipal de São Paulo, injetou brasilidade, frescor e atrevimento nas artes nacionais, inaugurando, simbolicamente, o modernismo no País.

A tomada do Forte de Copacabana, em 5 de julho, por 18 brasileiros contrários à República Velha – sendo 17 militares de baixa patente e um civil – foi o estopim do movimento tenentista. Embora tenha sido debelada em um dia, a Revolta dos “18 do Forte” evidenciava as tensões sociais. O presidente Epitácio Pessoa, em fim de mandato, não apenas proibiu toda e qualquer atividade do Partido Comunista – mas também decretou o “estado de sítio”, que se estendeu no governo subsequente de Artur Bernardes.

Posto na ilegalidade, por quanto tempo o partido sobreviveria? Até quando seria relevante para o País? Conseguiria efetivamente mudar os rumos dos fatos? Seria capaz de ajudar a causa dos trabalhadores, da democracia e do socialismo?

Sim, o partido que os nove revolucionários fundaram um século atrás desafiou a regra. Intrépido, resistiu, sobreviveu e persistiu – não sem adversidades. A célebre exortação de Marx e Engels – “Que as classes dominantes tremam diante de uma revolução comunista” – resume o prolongado temor que a burguesia brasileira alimentou com a existência de um partido marxista-leninista organizado e ativo. Assim, por cerca de 60 anos, o Partido teve de atuar de forma clandestina. Lideranças e dirigentes foram presos, torturados e assassinados.

Astrojildo Pereira (1890-1965) personifica os primeiros anos do PC do Brasil. De origem anarquista, tornou-se, com o tempo, uma referência do marxismo-leninismo. Secretário-geral do Partido na década de 1920, ajudou a consolidar a luta dos comunistas com grandes contribuições teóricas e práticas.

Luís Carlos Prestes (1898-1990), o “Cavaleiro da Esperança”, líder da Coluna Invicta, lidera o Partido Comunista a partir dos anos 1930. Mesmo preso de 1936 a 1945, alcança grande popularidade, a ponto de ser o segundo senador mais votado do País pouco depois de sua libertação.

É João Amazonas (1912-2002) que protagoniza a saga do Partido por cerca de 40 anos. Em fevereiro de 1962, quando os comunistas foram obrigados a se reorganizar para manter a essência revolucionária, Amazonas está à frente do grupo. Foi nessa Conferência Extraordinária que a sigla PCdoB começou a ser formalmente usada.

Essa geração – que inclui Pedro Pomar, Maurício Grabois e outros revolucionários – combate a ditadura militar (1964-1985) e promove a épica Guerrilha do Araguaia (1967-1974). A luta pela anistia e pela redemocratização conta com o firme engajamento dos comunistas, com destaque para a campanha das Diretas Já (1983-1984).

Em 1985, com a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e o fim do regime autoritário, o PCdoB conquistou a legalidade, mantida até os dias atuais, a despeito do recente avanço do anticomunismo e de retrocessos como a cláusula de barreira. Sob esse período democrático – o maior na história do Brasil –, o Partido é reconhecido também pelo desempenho de seus parlamentares no Congresso Nacional. A exemplo do que já haviam logrado nos debates da Constituição de 1946, os comunistas sobressaem na Assembleia Nacional Constituinte eleita em 1986, que culmina na “Constituição Cidadã” de 1988.

O Partido, presente nas lutas sociais e na luta de ideias, ganha envergadura político-institucional. Elege não apenas parlamentares – mas também prefeitos e um governador. Apoia as candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva desde o lançamento, em 1989, da Frente Brasil Popular, da qual João Amazonas é um dos principais idealizadores.

Nos governos Lula, o PCdoB assume, pela primeira vez, ministérios, secretarias nacionais, agências reguladoras e outras estatais federais. No comando do Ministério do Esporte, os comunistas viabilizam a realização no Brasil dos Jogos Pan-Americanos (2007), da Copa do Mundo (2014) e da Olimpíada (2016). Em 2018, é lançada a inédita candidatura de uma mulher comunista, Manuela d’Ávila, a vice-presidenta da República, na chapa com Fernando Haddad (PT). Todos esses grandes saltos se dão quando o Partido é presidido por Renato Rabelo (2001-2015) e Luciana Santos (desde 2015).

Hoje (25/3), o PCdoB alcança seu centenário – uma marca rara no mundo e absolutamente inédita no País. Datam do século 19, por exemplo, as duas legendas hegemônicas dos Estados Unidos – o Partido Democrata (1828) e o Partido Republicano (1854). No Reino Unido, o Partido Conservador foi fundado em 1834, e o Partido Trabalhista, em 1900. Mas, no Brasil, não há partido mais antigo.

Assim como o PCdoB, outros partidos comunistas foram fundados depois – e sob influência direta – da Revolução Bolchevique. O PCP, de Portugal, e o PCCh, da China, são de 1921. Na América do Sul, há PCs ainda mais longevos, como os da Argentina (1918) e do Uruguai (1920). O PCdoB é, portanto, parte de uma tradição internacionalista.

Acima de tudo, o PCdoB se revelou um partido indispensável. Num país em que 61% dos brasileiros desconfiam dos partidos políticos, conforme pesquisa Datafolha feita em setembro de 2021, até mesmo adversários admitem a importância histórica e o legado do PCdoB, ao longo de seus “cem anos de amor e coragem pelo Brasil”.

Não faltaram bandeiras históricas aos comunistas nestes cem anos: a emancipação dos trabalhadores e o sindicalismo classista; a redução da jornada de trabalho; a reforma agrária; a campanha O Petróleo É Nosso; a industrialização do País e o desenvolvimento nacional; a resistência ao fascismo e às forças reacionárias; o internacionalismo proletário e a solidariedade entre as nações; a luta anti-imperialista e a paz mundial; a defesa da democracia; as políticas públicas universais, como o SUS (Sistema Único de Saúde); a luta contra a privatização do patrimônio público e o neoliberalismo; a causa socialista.

O PCdoB tem um Programa Socialista, aprovado em seu 12º Congresso. Seu ponto de partida é o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Em 2022, fruto de debates concentrados no processo do 15º Congresso, o Partido lançou o documento “Diretrizes para uma plataforma emergencial de reconstrução nacional”.

A mãe de todas as batalhas atuais dos comunistas – e também dos democratas – é a derrota de Jair Bolsonaro. Somente o fim de seu governo de destruição pode recolocar o Brasil na rota do crescimento econômico e do desenvolvimento, com reindustrialização do País, valorização do trabalho e distribuição de renda.

Segundo Luciana Santos, sua presidenta nacional, o Partido Comunista do Brasil chega jovem e contemporâneo ao centenário “porque soube renovar seu pensamento político, tático e estratégico, em meio ao fluxo do movimento, das mudanças, da realidade mundial e brasileira. Consoante à sua base teórica, o marxismo-leninismo, o Partido soube aprender com os erros, enriquecer-se com as lições da história e dar respostas aos novos dilemas e desafios que emergem sem cessar da dinâmica das lutas de classes”.

Nestes dias 25 e 26 de março, em Niterói, comunistas de todo o Brasil celebram o centenário do PCdoB no Festival Vermelho – Floresce a Esperança. Ao lado da reunião ampliada e especial do Comitê Central, na cidade-berço do Partido, o festival mostrará que o sonho revolucionário dos nove fundadores do PCdoB se multiplicou exponencialmente para centenas de milhares de dirigentes, militantes, filiados e simpatizantes. Viva o PCdoB, viva o socialismo, viva o Brasil!

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