Intoxicação por agrotóxicos mata um brasileiro a cada 2 dias
Relatório afirma que empresas agroquímicas europeias já gastaram cerca
de 2 milhões de euros em apoio ao lobby do agronegócio no Brasil. Aliança deu
frutos: uso de agrotóxicos no país se multiplicou por seis em 20 anos.
DW
A
cada dois dias, uma pessoa morre por intoxicação de agrotóxicos no Brasil –
cerca de 20% dessas vítimas são crianças e adolescentes de até 19 anos. O dado
consta num relatório publicado nesta quinta-feira (28/04) pela rede
ambientalista Friends of the Earth Europe.
A
pesquisa da entidade europeia, que reúne uma série de organizações, mapeia a
aliança entre empresas agroquímicas europeias – como Bayer e Basf – e o lobby
do agronegócio brasileiro.
Segundo
o texto, os esforços conjuntos desses dois atores para promover o
livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE) "causaram danos
significativos à saúde das pessoas e ao meio ambiente no Brasil".
"Corporações
europeias como Bayer e Basf, que são os principais fabricantes europeus de
pesticidas, têm promovido o acordo comercial UE-Mercosul por meio de grupos de
lobby. Seu lobby tem procurado aumentar o acesso ao mercado de alguns de seus
agrotóxicos mais nocivos ao unir forças com associações do agronegócio
brasileiro. Ao fazer isso, eles apoiam uma agenda legislativa que visa minar os
direitos dos indígenas, remover salvaguardas ambientais e legitimar o
desmatamento", diz a Friends of the Earth Europe no documento.
Segundo
o relatório, grupos que representam a Bayer, a Basf e a Syngenta já gastaram
cerca de 2 milhões de euros para apoiar o lobby do agronegócio no Brasil.
E
esse lobby financiado por empresas europeias deu frutos: o uso de agrotóxicos
em território brasileiro se multiplicou por seis nos últimos 20 anos, afirma o
relatório.
Somente
em 2021, foram aprovados 499 novos pesticidas no país, um número recorde. Além
disso, a Bayer e a Basf tiveram, juntas, 45 novos agrotóxicos aprovados no
Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro, sendo que 19 deles contêm substâncias proibidas na UE.
"Como
se bastasse manchar os pratos europeus com glifosato, a Bayer vem operando uma
ofensiva agressiva de lobby no Brasil para promover pesticidas que são mortais
demais para a União Europeia", afirma Audrey Changoe, especialista em
comércio da Friends of the Earth Europe e uma das autoras do estudo, ao lado da
brasileira Larissa Bombardi, professora da USP e
especialista em agrotóxicos no Brasil.
"Licença
para envenenar"
O
relatório assinado pelas duas especialistas afirma que grandes corporações
europeias fabricantes de agrotóxicos se beneficiam das "regulações
ambientais fracas do Brasil" e, além disso, também trabalham com o
agronegócio brasileiro para moldar como essas leis são escritas.
Segundo
o texto, a agenda do agronegócio se reflete no Congresso brasileiro por meio da
bancada ruralista, "notória por pressionar para enfraquecer a legislação
ambiental e de pesticidas e desmantelar órgãos governamentais responsáveis pela
proteção do meio ambiente". "As empresas da UE estão apoiando esse
bloco e, por sua vez, facilitando sua agenda", diz o relatório.
"Nossas
descobertas são alarmantes: uma legislação ainda mais fraca no Brasil dará à
Bayer uma licença para envenenar a natureza e as comunidades rurais que já
sofrem com a agricultura intensiva de pesticidas", completa Changoe.
O
documento lembra que a bancada ruralista é aliada próxima do governo Bolsonaro
e endossou sua candidatura em 2018. A organização também acusa o atual governo
de criminalizar a sociedade civil e os movimentos sociais que lutam contra o
uso de agrotóxicos – o que faz aumentar ainda mais o poder político de grandes
corporações europeias.
Acordo
UE-Mercosul
O
relatório se posiciona de forma contrária à ratificação do acordo comercial
UE-Mercosul – fechado após duas décadas de negociações –, que aumentaria
as exportações de produtos agrícolas para a Europa e as importações de
agroquímicos para os países do Mercosul – especialmente para o Brasil, que é o
maior exportador mundial de soja.
"Embora
o acordo traga oportunidades para as empresas agroquímicas que operam na UE,
incluindo a Bayer e a Basf, também corre o risco de exacerbar os danos
devastadores causados à natureza e às comunidades locais, incluindo os povos
indígenas, cujo modo de vida e os direitos à terra são atacados pelo
agronegócio brasileiro", diz o texto.
Segundo
o relatório, o acordo vem num momento em que "os sinais da perda dramática
da biodiversidade global relacionada ao uso de pesticidas se tornam cada vez
mais evidentes".
A
organização ressalta que, se o pacto comercial for ratificado, as tarifas sobre
agroquímicas serão reduzidas em até 90%, levando a um provável aumento da
exportação de pesticidas perigosos da UE aos países do Mercosul, incluindo
alguns proibidos na Europa devido ao risco que representam à saúde humana e ao
meio ambiente.
Segundo
o texto, o acordo também deve impulsionar as exportações de produtos como soja,
cana-de-açúcar e etanol derivado da cana, que dependem fortemente de
agrotóxicos, bem como de carne bovina e aviária, que dependem da soja como
ração animal, aumentando ainda mais o uso de pesticidas. "Esses produtos
agrícolas também estão ligados ao desmatamento e à destruição da biodiversidade,
bem como à violação dos direitos indígenas", reitera o relatório.
A
Friends of the Earth Europe afirma, assim, que o comércio promovido pelo pacto
está "fundamentalmente em desacordo" com outras metas ambientais do
bloco europeu, e pede que os Estados-membros da UE rejeitem o acordo com o
Mercosul, "se afastem de promover o modelo de monocultura com uso
intensivo de pesticidas" e "apoiem abordagens de agricultura mais
sustentáveis, amigas da natureza e centradas em pessoas".
O
relatório pede ainda que a União Europeia introduza uma proibição imediata das
importações de itens com resíduos de produtos químicos que já são proibidos na
própria UE.
"A
União Europeia tem a responsabilidade de parar o comércio tóxico UE-Mercosul
agora", conclui Audrey Changoe, uma das autoras do relatório.
.
O
sentido dos fatos em poucas palavras https://bit.ly/3n47CDe
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