Se houver eleição
Os
indícios atuais de golpe já ameaçam o episódio eleitoral
Janio
de Freitas, Folha de S. Paulo
Passaram por aí o 31 de março e o 1º de abril,
com seu jeito ressabiado de quem sabe, e tenta uma cara limpa, ter praticado
indignidade inapagável. Os golpes passeiam assim pelo calendário, 3 de outubro,
9 e 11 de novembro, 24 de agosto, outro agosto no dia 25, 13 de dezembro, 15 de
novembro —e muitos dias a mais de traição a juramentos oficiais, de
deslealdades pessoais, uso criminoso de armamentos do Estado, destruição de
várias constituições e, com cada uma, das instituições menos distantes da
democracia.
Deve
ser difícil viver com a pecha de golpista. Ainda mais se, por falta de saberes
e compreensão, confundem-se a esperável dedicação profissional e
"amor" à instituição deformada pela ideia de uma condição suprema. É
provável que não sejam raros os casos de mal-estar com a defesa do
indefensável. Com ou sem ele, as negações do óbvio se repetem, patéticas, nas
datas simbólicas do golpismo e das ditaduras.
Possível vice de Bolsonaro,
para uma chapa mais coerente que a feita com o vice Mourão, o ministro da
Defesa e seus antecessores não saíram da alegação de
"anseios da sociedade" como origem do golpe de 1964 e de 21 anos de
ditadura. Braga Netto e os outros não precisariam de mais do que quatro letras
para escapar à inverdade: anseios da alta sociedade. Perfeito. A essa sociedade
eles serviram sempre, em tudo, excetuado o momento heroico que os derrotou em
defesa da Constituição, pela posse do vice em 1961.
E
nem de letras, uma só que fosse, o ministro e nós outros precisamos para
comprovar a falácia do anseio geral: desde 31 de março de 1964, há 58 anos,
mais de meio século, ninguém viu um militar fardado nas calçadas, nos
transportes, no mundo da sociedade verdadeira, esta multidão que vive em comum,
com costumes conviventes, em um mesmo território. O capitão e o major com quem
dividíamos o banco do ônibus e do bonde, incompreensivo da nossa leitura de um
livro e espichando um olhar ao nosso jornal, esses sumiram com seu verde
mortiço. Longo companheiro nessas viagens, reconheço um traço de nostalgia
daquela convivência, gélida sim, mas ainda humana.
Os
que brigam com a história e com a própria imagem, formados, ou nem tanto,
depois de 1964, não experimentaram o prazer orgulhoso de mostrar-se em seus
símbolos e cores na intimidade da vida urbana, da sociedade. É claro que, aos
seus simbolismo contrapõe-se também um sentido simbólico, e negativo: a
invocada anuência, na realidade, pode ser o seu inverso inapagável, e motivo de
temor, em mais de meio século. Haja ressentimento, para fingir ignorância da
história e, de outra parte, para lembrar e falar de justiça.
O
calendário tem dias limpos. Sem os citar, é a eles que o ministro Edson Fachin se
refere, na condição dupla de presidente do Tribunal Superior Eleitoral e
integrante legítimo do Supremo Tribunal Federal: "A democracia
está ameaçada" / "A Justiça está sob ataque". Não precisou
mencionar Bolsonaro, nem demais facinorosos da antidemocracia, das máfias e
milícias da corrupção, e da desumanidade. Os golpistas aqui são identificados.
E confessos, pela preparação ostensiva de outro "anseio da
sociedade".
Golpe
seguindo-se a derrota eleitoral é sempre problemático, mesmo quando se impõe.
Os sócios Aécio Neves e Eduardo Cunha imaginaram a um passo do poder, e o que o
primeiro viu foram exposições da sua corrupção descarada, que nenhuma sabujice
jurídica apagará; o outro viu vários anos nas trevas da cadeia.
O
golpe pós-eleitoral excita reações que, antes de vitórias e derrotas, não
costumam expandir-se. Os indícios atuais, que movem Edson Fachin e outros
ministros-magistrados, ameaçam já o episódio eleitoral.
Veja: “Heróis”
efêmeros – a verdade está triunfando https://bit.ly/3JMFZHT
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