Na feira da Tacaratu
Luciano Siqueira
Não me lembro exatamente o mês, nem o
ano: talvez 1970, início da minha militância clandestina.
Segui em viagem um tanto cansativa,
cujo lance final se deu na carroceria de uma caminhonete dessas que transportam
mercadorias e gente para as feiras no interior.
Destino: Tacaratu, pequena cidade
pernambucana limítrofe com Floresta e Petrolândia, fronteiriça com Alagoas.
Missão: encontrar um camarada que viria
de Água Branca, sertão alagoano.
Conversaríamos exatamente o que já não
recordo, porém é certo que dizia respeito às atividades conspiratórias na resistência à ditadura militar.
Eu deveria parecer um feirante comum.
Daí conduzir uma grande bolsa de viagem
na qual reunira sabonetes, pentes e escovas de cabelo e outros produtos
semelhantes.
Se abordado pela polícia política, nada
mais natural do que viajar por aquelas bandas no intuito de deitar minha
mercadoria sobre uma lona e negociar como qualquer vendedor de feiras.
Porém o encontro não aconteceu. O
camarada que viria das bandas das Alagoas furou o ponto.
Entretanto, eu esperei até o final da
tarde. Com um detalhe: não me animei a exercitar o inexistente talento de
vendedor.
Tendo encontrado umbu em profusão e a
preço de quase nada, comprei duas porções avantajadas contidas em saco plástico
e passei quase que o dia inteiro a saborear aquela que é uma das minhas frutas
cítricas de preferência.
Se a repressão política estivesse rondando
a área, provavelmente teria a atenção despertada para aquele jovem sujeito em
nada parecido com os interioranos, sentado num canto, em isolado silêncio e a
saborear uns bons dois quilos de umbu.
Ao final, em fim de feira, recolhi-me
novamente à carroceria de uma caminhonete e fiz um longo percurso de volta ao
Recife, onde chegaria na manhã seguinte cansado, porém convicto da missão
cumprida.
Sem qualquer efeito prático, salvo a
estreia no que viveria por uns bons quatro anos, depois convertido em vendedor
ambulante de roupas. De verdade.
.
O sentido dos fatos em poucas palavras https://bit.ly/3n47CDe
Porque recordar é viver — particularmente quando a recordação nos traz ensaios da luta, essência da vida!!!
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