Como o
Brasil ignorou as políticas que consagraram a China
Todas
as grandes políticas públicas teriam que seguir esse receituário: partir da
solução de um problema da população para se chegar a uma cadeia produtiva.
Luis Nassif, Jornal GGN
Em “Xadrez da nova ordem
mundial e do fim do império do dólar” expus o pensamento do
intelectual russo Sergio Glazyev, a mais abrangente interpretação dos novos
ciclos tecnológico e econômico.
Nela, Glazyev analisa a história dos diversos impérios que se
ergueram após a revolução industrial – o britânico, o alemão, o americano, o
soviético e, agora, o chinês. Todas as mudanças estão relacionadas a revoluções
tecnológicas que, por sua vez, abrem espaço para formas mais eficientes do que
ele chama de gerenciamento – as políticas públicas.
Mostra como o modelo verticalizado americano (parceria grandes
grupos e Estado americano) e soviético se impuseram sobre o capitalismo de
família dos britânicos. Depois, como a rigidez do modelo soviético levou ao
desmanche do império. E a decadência posterior do modelo americano, com a
emissão monetária se dispersando em bolhas especulativas e pelo mercado
financeiro, sem chegar à atividade real, promovendo concentração de renda,
miséria e perda de legitimidade dos governos.
Finalmente, apresenta os pontos centrais da revolução econômica
chinesa:
1. O Estado atuando como
agente coordenador das atividades privadas.
2. Projetos integrados, tendo como foco central a melhoria de
vida da população.
3. Estado atuando como financiador e como organizador
(compatibilizado de interesses) dos setores envolvidos em cada projeto
integrado.
4. O financiamento das novas
atividades sendo feito pelo Estado, mas em um modelo competitivo, para
identificar as empresas mais eficientes.
O curioso nessa história é que esse modelo já foi testado com
sucesso no Brasil no que ficou conhecido como “indústrias de bem estar”.
Aliás, em 2014, o Ministério de Ciência e Tecnologia montou um dos mais
consistentes programas de desenvolvimento do país, um trabalho conjunto de
universidades, especialistas em políticas públicas.
De minha parte julgava que,
reeleita, Dilma Rousseff imediatamente constituiria um grupo de trabalho – nos
moldes do Bolo de Noiva de Collor – para trabalhar em cima das ideias
apresentadas. Mas a opção de governo foi justamente o pacote Joaquim Levy, o
conjunto de medidas exclusivamente fiscais, dentro do receituário liberal que,
segundo o diagnóstico de Glazyev, levou à decadência da economia ocidental.
Os princípios da nova política
O modelo da nova política foi o PDP (Política de Desenvolvimento
Produtivo), uma criação de Carlos Gabas, do excepcional Instituto Fiocruz,
implementado pelo ex-Ministro da Saúde José Carlos Temporão, e mantido por seus
sucessores até o desmanche iniciado por Michel Temer.
Passo 1 – definir o objetivo
Primeiro, define-se o objetivo. Depois, o papel que cabe a cada
setor. No caso do PDP, o objetivo era ampliar o atendimento de saúde à
população brasileira.
Passo 2 – internalizar a
tecnologia
A segurança interna e os custos da saúde exigiam uma
nacionalização da tecnologia. O Ministério valeu-se então de seu poder de
compra – o Sistema Único de Saúde (SUS) é o maior comprador de medicamentos do
planeta – e negociou com as multinacionais fornecedoras de medicamentos
essenciais. Em troca de contratos de compra, eles transfeririam para
laboratórios públicos e tecnologia de fabricação.
O papel dos laboratórios públicos era essencial para impedir a
re-desnacionalização da fabricação. Se a tecnologia fosse detida por um
laboratório privado, ele seria presa fácil para aquisição por multinacionais.
Passo 3 – envolver o setor
privado
Com a tecnologia de posse dos laboratórios públicos, foram
selecionados laboratórios privados para o licenciamento e a fabricação dos
medicamentos. O Estado garantiria o financiamento (através do BNDES), o mercado
(através das compras do SUS). E caberia às empresas privadas a agilidade
necessária para a colocação dos medicamentos no mercado.
Passo 4 – o complexo industrial
da saúde
Medicamentos são apenas um dos produtos da saúde. Há
equipamentos, insumos, serviços – home care, por exemplo – capazes de envolver
milhões de pessoas. Por isso mesmo, o papel do Ministério seria o de juntar
todas as pontas visando criar as melhores condições para que o setor privado
atue na linha de frente, assim como Uniao, estados e municípios nas áreas de
vocação público.
Comprovando que o maior empecilho ao desenvolvimento brasileiro
é o sistema dose informações, o único ponto que chamou a atenção da mídia foi
uma tentativa de um laboratório paranaense, o Labogen, de se habilitar ao
programa. Constatou-se ser do doleiro Alberto Youssef. Certamente nem passaria
pelos filtros do programa – laboratórios públicos e militares, que faziam a
seleção.
Modelo universal
O PDP poderia se estender a todas as políticas públicas, mudando
completamente seu enfoque.
Sempre houve um vício nas
políticas públicas gerais – do PSDB de FHC ao PT de Lula e Dilma – de colocar
como ponto central as empresas beneficiadas.
Por exemplo, criou-se programa de estímulos à indústria
automobilística. O setor recebeu favores fiscais, aumentou as vendas, sem
nenhuma necessidade de contrapartida – nem de compromissos com inovação,
exportação, geração de empregos. Com a economia bombando, a consequência
imediata foi o aumento desmedido do trânsito e da poluição nas grandes cidades.
Uma PDP da indústria automobilística teria que começar pelo
quadro geral:
Passo 1 – um
programa de mobilidade urbana, tendo como prioridade o transporte coletivo, a
redução dos congestionamentos e da poluição nas grandes cidades.
Passo 2 –
dentro do programa, se definiria a parte que caberia a cada setor, o ônibus,
metrô, o transporte individual. No transporte individual e n coletivo, haveria
a ênfase nas tecnologias menos poluentes.
Passo 3 – os
avanços tecnológicos do transporte, refletindo as preocupações globais com
poluição, ajudariam na montagem de uma plataforma de exportações.
Todas as grandes políticas públicas teriam que seguir esse
receituário: partir da solução de um problema da população para se chegar a uma
cadeia produtiva.
Tome-se outro exemplo de perda de eficiência: o Minha Casa Minha
Vida.
Cuidou-se apenas de analisar o custo da construção civil. Foram
ignoradas as políticas urbanas. A Lei de Zoneamento de São Paulo, um dos
documentos mais modernos do setor, definia como ponto central a convivência, na
mesma região, de residências de classe média com habitação popular, residências
com comércio, visando aproximar o trabalhador do local de trabalho.
A lógica do MCMV foi totalmente oposta. A busca exclusiva da
redução de custos levou à compra de terrenos em locais afastados ou, então, à
compra de prédios antigos, com aluguéis baratos, expulsando os locatários para
locais afastados. No final do programa, mesmo com todas as casas construídas, o
déficit habitacional não foi reduzido, e os trabalhadores continuaram
confinados a horas de seus locais de trabalho.
.
Veja:
O nó da
terceira via
https://bit.ly/35Q9UAn
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