Silêncio na desordem
Apresentação de Bolsonaro
a embaixadores emudeceu militares
Janio de Freitas, Folha de S. Paulo
O gênio que
sugeriu a exibição de
Bolsonaro a representantes do mundo merece o reconhecimento dos
democratas. A ele se deve a inversão simultânea que emudeceu os generais e
coronéis, de farda e de pijama, contrários à segurança das urnas eleitorais e,
de quebra, soltou as vozes antigolpe que nem se esperava mais ouvir.
Foram
apontadas várias ilegalidades no ato de Bolsonaro,
mas está mais do que provada a falta de disposição para fazê-lo responder pelos
crimes de responsabilidade, de instigação contra as instituições democráticas
e, além de outros, abusos de poder.
E como tudo dá
em nada, eis um vão acréscimo: no Palácio da Alvorada, como dependência da
União, a lei proíbe qualquer situação com algum sentido eleitoral. Foi, porém,
com o objetivo de propagar e defender seu plano de candidato, contra o sistema
eleitoral e pela intromissão aí dos militares, que Bolsonaro confessou ao mundo
o seu golpismo trumpista.
Leia
também: Em busca de uma reeleição improvável,
os muitos remendos de um barco furado https://bit.ly/3akDj7Q
A ausência dos
comandantes militares na plateia não indicou qualquer restrição deles, mas só
cautela com a proibição de militares da ativa em ato político. A reação
internacional a Bolsonaro atinge todos militares e, com precisão, o ministro da
Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira.
Para a presunçosa autoimagem militar, a reação interna é descartável. Mas a internacional soaria como um chamado à racionalidade, no entanto improvável por inexistir o pretendido pelo chamado.
Este
seria um bom momento, com a ebulição política-eleitoral, para os militares
voltarem à tentativa de profissionalização feita por seus antecessores entre o
governo Fernando Henrique e a devolução, por mera pusilanimidade, do Ministério
da Defesa a militares, feita por Michel Temer. Foi a ocasião para o general
Eduardo Villas Bôas levar o Exército de volta ao golpismo, na pretensa condição
de força tutelar, sem quaisquer condições para isso além dos fuzis e dos
tanques. O bom momento tem sido usado para agravar a distância entre a função
legal e a prática nos altos postos militares.
A adesão a
Bolsonaro é indicativa, como resultado de identificação, das ideias sobre e
para o Brasil que se sustentam entre as chefias das Forças Armadas.
Nada a ver com as necessidades e aspirações das classes formadoras da grande
maioria no país —inclusive parte numerosa dos apoiadores civis de Bolsonaro,
aqueles de pouco discernimento e muita desinformação. Nada a ver, também, com a
Constituição.
Na
contraposição dessas duas correntes está a divisão que importa, a polarização
mais profunda e estimulante do atraso brasileiro, imenso mesmo em comparação à
fase retroativa que ataca o mundo.
O silêncio dos
comandos incorporados no projeto bolsonarista talvez não seja senão o pasmo com
a derrota imposta pela reação internacional, sufocante mesmo. Mas há pendências
deixadas pelo ministro da Defesa em suas intempestivas falas no Senado, na
semana anterior ao show eleitoral/golpista no Alvorada.
Por exemplo, a
exigência de entrega, do Tribunal Superior Eleitoral aos generais e coronéis da
Defesa, da documentação referente às eleições de 2014 e 2018. Será reiterada
pelas fardas e fuzis ou enterrada sob sete palmos de abuso de poder, desvio de
função e afronta à Constituição?
A
interrogação envolve mais canhonaços internacionais, maior reação das
indignações internas que superaram os cuidados.
E, do
outro lado, tanto a possibilidade de mais ação dos militares bolsonaristas como
alguma acomodação. Exclusive a do próprio e silenciosamente estarrecido
Bolsonaro. Aquela pergunta é, entre tantas, a que parece oferecer a resposta
mais próxima.
Resposta
provisória, bem entendido. Como as faltantes, até que a eventual compreensão
militar absorva ao menos dois conceitos: 1- se querem ser militares, parem de
provocar desordem institucional. Já a fizeram demais, quase ininterruptas nos
133 anos desde o golpe da República. 2- militares têm as armas, mas a
importância que pensam ser sua, neste país, quem a tem são os garis e os bons
médicos.
Obsoletas
entre vizinhanças pacíficas, forças militares na América do Sul são uma
duvidosa tradição.
Veja: Em ambiente de instabilidade tudo é possível https://bit.ly/3uEnGxa
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