Tire
suas dúvidas sobre a varíola dos macacos
Testagem, rastreamento de
contatos e vacinação são medidas para barrar a doença
Samuel Fernandes e
Cláudia Collucci, Folha de S. Paulo
Com
sintomas como febre, dores no corpo e feridas pelo corpo, a varíola dos macacos preocupa
médicos e cientistas pela rápida disseminação. Neste sábado (23), a OMS
(Organização Mundial da Saúde), a OMS (Organização Mundial da Saúde)
classificou a doença como emergência pública de
preocupação global.
No
Brasil, o primeiro caso foi
confirmado em 8 de junho, e, desde então, já são mais de 600
registros até a última sexta (22). São Paulo concentra a maior parte dos casos.
Segundo a Secretária da Saúde estadual, já são 466 casos da doença confirmados
no estado até o último sábado (23), a maioria na capital
paulista –no total, foram 385 somente na cidade.
Um
dos pontos ainda em aberto é como o vírus se propagou tão rápido em diferentes
países –fora da África, esse é o maior surto já visto. A pouca capacidade de
produção da vacina para barrar a transmissão do vírus é outro aspecto que
preocupa especialistas.
Abaixo, veja as principais questões que envolvem o atual cenário da doença e o que pode ser feito para barrar sua transmissão.
O que causa a varíola dos macacos?
A doença é causada pelo monkeypox, um vírus do gênero orthopoxvirus.
Outro patógeno que também é desse gênero é o que acarreta a varíola, doença erradicada em 1980.
Embora
tenham suas semelhanças, existem diferenças entre as duas
doenças. Uma delas é a letalidade: a varíola matava cerca de 30% dos
infectados. Já a varíola dos macacos conta com uma taxa de mortalidade entre 3%
a 6%, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Então a varíola dos macacos não significa um risco por ter menor
letalidade?
Os
riscos menores não indicam que a doença não é grave. Crianças, grávidas e
imunossuprimidos são pessoas que podem desenvolver quadros mais graves, por
exemplo.
"Não
deixa de ser preocupante porque toda doença infectocontagiosa não é para correr
solta. É preciso conter esses surtos", afirma Clarissa Damaso, virologista
da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e assessora do comitê da OMS
para pesquisa com vírus da varíola.
Ela
é uma das pesquisadoras que compõem o grupo de trabalho para enfrentamento da
varíola de macacos organizado na UFRJ. A iniciativa realiza testes em pessoas
suspeitas da doença e também deve acompanhar os pacientes para observar a
evolução do quadro clínico e evitar a disseminação do patógeno.
Além
do grupo da UFRJ, outros dois centros realizam testes para diagnosticar a doença
no Brasil: o Instituto Adolf Lutz, em São Paulo, e a Funed (Fundação Ezequiel
Dias), em Minas Gerais.
Outro
caminho para diagnosticar a doença é um teste da empresa Roche.
Carlos Martins, presidente da Roche Diagnóstica no Brasil, afirma que o produto
é um exame PCR parecido com testes para Covid.
Segundo
ele, os resultados dos exames ficam prontos entre 4 e 8 horas e o produto deve
chegar ao Brasil em algumas semanas.
Como conter a disseminação do vírus?
Diminuir
a transmissão envolve principalmente isolamento dos casos suspeitos e
confirmados, além de imunizar pessoas que tiveram contato próximo com alguém
infectado. Grupos de maiores riscos, como profissionais de saúde da linha de
frente, também podem ser imunizados.
Segundo
a OMS, a vacina contra a varíola tem
uma taxa de eficácia de aproximadamente 85% para a doença causada pelo
monkeypox. No entanto, ela não se encontra disponível para o público em geral.
Em 2019, outro imunizante foi desenvolvido e tem eficácia na prevenção da
varíola dos macacos, mas tem produção em pequena escala.
Quais são e como funcionam as vacinas
disponíveis no mundo?
São
duas: a Jynneos, também conhecida como Imvamune ou Imvanex, produzida pela
farmacêutica dinamarquesa Bavarian Nordic, e a ACAM2000, fabricada pela Sanofi
e já aprovada nos EUA.
A
Jynneos já é aplicada nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Alemanha para
conter o surto atual de varíola dos macacos. Já a ACAM2000 é uma versão moderna
da vacina que foi aplicada nos anos 1970 e ajudou a erradicar a varíola humana.
Ambas
contêm um vírus vivo chamado vaccinia, do mesmo gênero que o smallpox (causador
da varíola humana) e o monkeypox (causador da varíola dos macacos), mas na
Jynneos o vírus é enfraquecido em laboratório para não causar doença grave,
inclusive em imunossuprimidos.
Por
isso, a ACAM2000 não é indicada para indivíduos imunossuprimidos (com doenças
congênitas, que passaram por transplante ou em tratamento de câncer, por
exemplo), pois há risco de provocar quadros clínicos mais graves.
Após
a aplicação do imunizante, o vaccinia se replica no organismo sem causar
doença, mas induzindo a produção de uma resposta imune protetora.
Quando essas vacinas chegarão Brasil?
Ainda
é incerto. Neste sábado, o ministro da Saúde,
Marcelo Queiroga, disse que o governo federal negocia com a Opas (Organização
Panamericana de Saúde) a aquisição da vacina Jynneos, por meio do do
fundo rotatório, um mecanismo internacional de cooperação técnica para acesso a
vacinas.
Mas
o o infectologista David Uip, secretário de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento
em Saúde do governo paulista, afirma que há uma disputa acirrada no mundo
todo pelas vacinas contra a varíola dos macacos e que elas não devem chegar ao
Brasil a curto prazo.
Uma
outra alternativa, segundo ele, é a fabricação de uma vacina contra varíola dos
macacos no Brasil por Farmanguinhos (Fiocruz) e pelo Instituto Butantan, que criou um comitê
técnico para estudar a produção de um imunizante.
O que explica a nova onda de casos?
A
varíola dos macacos já era conhecida, mas era registrada principalmente em países
africanos. O que deixou a comunidade científica em alerta foi a disseminação
rápida do vírus para outros países fora da África.
Apesar
da referência aos macacos, os hospedeiros naturais do monkeypox provavelmente
são roedores, como ratos.
A partir deles, o vírus pode ser transmitido aos humanos por meio do contato
com fluidos ou lesões dos animais infectados.
De
pessoa para pessoa, a transmissão acontece por meio de contato próximo. A
infecção pode ser por vias respiratórias, mas é preciso contato face a face
perto por tempo prolongado. Em comparação, o Sars-CoV-2, vírus que
causa a Covid-19, também se transmite por vias respiratórias, mas
não precisa de um contato tão próximo e nem prolongado.
Outra
forma de infecção é por meio das feridas, parecidas com bolhas, que a varíola dos macacos causa
na pele. Cristina Bonorino, imunologista e professora titular da
UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre), explica que
o líquido dentro dessas bolhas contém o vírus. Sendo assim, o contato direto
com essas secreções também causa a propagação do patógeno.
Por
justamente ter uma transmissão que precisa de contato muito próximo, os novos casos ainda carecem
de explicações. "Nós não estamos entendendo exatamente como
está acontecendo essa transmissão", afirma Damaso.
A
hipótese mais relatada é que uma pessoa pode ter sido infectada na África e
transmitido para outros indivíduos fora do continente africano em aglomerações.
Isso
pode ter acontecido principalmente porque o início da doença tem sintomas
comuns e pode gerar confusões. "Pode acontecer da pessoa estar no início
da sintomatologia, se sentindo um pouco mal, mas confundir com uma gripe, por
exemplo, e passar adiante", diz Damaso.
Outra
hipótese que pode ser investigada são casos assintomáticos,
diz Bonorino. "Uma pergunta é: será que existe uma forma que não causa
bolhas e por isso se espalhou mais rapidamente? Não sabemos."
Uma
terceira suposição é de mutações no patógeno. Vírus de DNA como o monkeypox têm
uma chance muito menor de sofrer alterações.
Mesmo assim, essa possibilidade não deve ser descartada, diz Raquel Stucchi,
infectologista e professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
"Realmente
o vírus não costuma ter mudanças, mas alguma coisa aconteceu nele para
explicarmos essa explosão tão grande de casos."
E como é o tratamento?
O
tecovirimat é um medicamento que pode ser usado no tratamento. Recentemente, um
estudo publicado na The Lancet investigou o remédio em casos de monkeypox e viu
um efeito positivo.
Outro
medicamento é o brincidofovir, antiviral que já tem aprovação do FDA (Agência
de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos) para tratamento da varíola.
No
entanto, nenhum dos remédios está disponível no Brasil. "Até o momento, a
Anvisa não recebeu solicitação de autorização para vacina ou medicamentos
contra a varíola ou varíola do macaco", informa a agência em nota.
A
Anvisa também afirma que é responsabilidade das farmacêuticas fazerem o pedido
e ainda indica que é "possível autorizar a importação [...] em situações
de emergência de saúde pública".
O que fazer a partir de agora?
Embora
a situação seja atípica, as chances da varíola dos
macacos se tornar uma pandemia são pequenas pela baixa
capacidade de transmissão do vírus.
Mesmo
assim, medidas precisam ser tomadas. Elas envolvem principalmente testar casos
suspeitos da doença, isolamento nos positivados ou até o resultado do exame e
aplicação de vacinas naqueles que tiveram contatos.
"É
importante a população não ter pânico. Não é uma doença nova.
Sabemos que existe há muito tempo e temos armas para combater", afirma
Damaso. Ela também explica que os antivirais podem ser úteis para tratar casos
mais graves da doença no país.
Além
disso, as especialistas afirmam que o novo surto só chamou atenção quando a
doença se espalhou para regiões mais ricas do mundo, como Estados Unidos e
Europa, mas quando era endêmica somente na África não tinha tanto apelo.
O
fato abre alerta para as chamadas doenças negligenciadas,
aquelas sem tanto investimento para pesquisas científicas. "Nós nunca
damos importância ao que acontece na África até que chegue ao mundo todo",
conclui Stucchi.
Leia
também: Por que a OMS
declarou varíola dos macacos como emergência de saúde pública internacional? https://bit.ly/3cEFFPD
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