14 agosto 2022

Dimensão da resistência

Sem democracia não há ciência e educação libertadoras

Universidades e sociedade se unem em defesa do Estado Democrático de Direito
Soraya Smaili, Maria Angélica Minhoto e Pedro Arantes
, com a colaboração de Lu Sodré – Folha de S. Paulo

 

As tradicionais escolas e faculdades de universidades públicas brasileiras, e mais especialmente a Universidade de São Paulo (USP), sempre foram espaços de reprodução das elites brancas que se alternam no comando do país - com raras exceções. Mas o ato deste 11 de agosto, na Faculdade de Direito, teve muitos simbolismos e nos mostrou como a Universidade pode e deve se pintar de povo.

Um deles foi a presença de um 
mar plural de pessoas de diferentes origens, classes, raças e faixas etárias tomando as famosas "arcadas" da escola de Direito mais antiga e famosa do Brasil, que já formou 13 ex-presidentes e 45 ex-governadores de São Paulo. Com diferenças sociais e políticas, a multidão que rodeou a Faculdade São Francisco se uniu em defesa da nossa democracia.

A leitura pública da "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito" mostrou como a organização coletiva é capaz de atrair e aglutinar segmentos diversos, tanto da academia, quanto das artes, empresariado, sindicatos e movimentos estudantis e populares. Dessa unidade ali vislumbrada é que pode e deve incidir a virada histórica que almejamos, rumo à reconstrução (e reinvenção) do nosso país, com o aprofundamento da democracia e da justiça social.

Em meio às constantes ameaças contra a ordem democrática, a união de setores representativos da sociedade brasileira, convocados pela universidade pública, é sinal de que a mobilização em defesa do Estado Democrático de Direito é também um reconhecimento do papel social que as universidades brasileiras podem cumprir nessa transição histórica. E de como as instituições de ensino superior abertas a todos os setores, em especial aos movimentos populares, ampliam a capacidade de imaginar outros futuros, mais plurais e solidários.

As manifestações que aconteceram em diferentes regiões brasileiras ecoaram a voz de quase 1 milhão de pessoas que assinaram o documento, exigindo a lisura e o respeito ao resultado das urnas no pleito eleitoral que se aproxima.

Os três coordenadores e diversos pesquisadores do 
Centro SoU_Ciência estiveram no ato na Faculdade de Direito. Estamos ao lado de todas as entidades e instituições que se levantam contra as investidas autoritárias que estão nos rondando e ameaçando.

Afinal, sem democracia não há ciência autônoma e comprometida com o bem-estar da população. Os regimes autoritários derem origem a concepções racistas, colonialistas e homicidas da ciência. Uma ciência socialmente engajada, em especial com a melhoria de vida da população em maior situação de vulnerabilidade, só pode ocorrer em ambientes democráticos, com ampla participação popular nos destinos do país.

O mesmo vale para a Educação. Não há pluralidade de ideias, liberdade de ensino e aprendizado emancipador sem democracia. Os regimes autoritários não permitem que as escolas sejam ambientes críticos e problematizadores, as transformando em espaços de doutrinação, violência e subalternidade.

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Por isso, uma democracia cada vez mais ampla e plena é fundamental para o avanço da educação, para uma ciência e universidade voltadas às demandas da população. Não há possibilidade de desenvolvimento social inclusivo, com benefícios econômicos para todos e, acima de tudo, desenvolvimento humano, sem liberdade de expressão, direito ao voto e ampla participação popular.

O atual governo tem cerceado a democracia de várias formas, com a extinção de conselhos participativos, o bloqueio de fundos sociais, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), a exoneração de funcionários comprometidos com as causas populares, o desmanche da cultura, a indicação de reitores ilegítimos, não escolhidos pelas comunidades acadêmicas, e com a criminalização geral de lideranças e movimentos sociais.

No dia de ontem, reiteramos qual projeto de Brasil precisamos e queremos. Defenderemos nossa democracia, ainda que frágil e limitada, com unhas e dentes. Para que possa sair dessa encruzilhada histórica mais forte, inclusiva e plural.

A iniciativa da Carta, gestada dentro do espaço universitário, só reafirma o papel de professores, pesquisadores, servidores, estudantes e das instituições públicas de ensino superior: é nossa missão barrar retrocessos sociais e lutar por mais investimento em educação e ciência, com a Universidade sempre de portas abertas à população.

As universidades públicas cumprirão seu papel nessa luta, como fizeram em outros momentos decisivos para o país. Nosso futuro está em jogo e as instituições brasileiras estão e seguirão atentas e fortes. Não nos apequenaremos diante de ameaças e ataques por parte daqueles que querem retrocessos em nossa história.

[Ilustração: Carlos Scliar]

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