E se a agricultura favorecer a reindustrialização?
Sob a lógica do
agronegócio, campo tem regressão produtiva: devasta, não emprega e depende de
insumos importados. Mas com novas políticas, ela pode ser mercado garantido
para produção de máquinas, fertilizantes e tecnologias agrícola
Marcio Pochmann, Outras
palavras
O neoliberalismo rompeu a conexão interna que havia entre a produção industrial e o atendimento das necessidades do conjunto da economia brasileira. A crise do modelo primário-exportador durante a grande depressão capitalista de 1929 veio junto com a ascensão de uma nova maioria política na Revolução de 1930, responsável pela condução do projeto nacional desenvolvimentista que conduziu a industrialização no país, no século XX, só comparável a da Coreia do Sul.
Desde 1990, o movimento passivo e subordinado da abertura comercial, financeira e produtiva favoreceu a liberação das importações, em substituição ao conteúdo nacional da produção, e enfraqueceu a exportação de produtos manufaturados. A regressão produtiva impactou o emprego e a remuneração da mão de obra, bem como colocou em marcha a ruína da sociedade industrial.
O símbolo desta mudança foi a frase dita pelo então presidente Fernando
Collor à Alemanha, quando declarou o seguinte: Comparados aos carros do
primeiro mundo, os carros brasileiros são verdadeiras carroças.” Naquela
época, a indústria brasileira respondia por 2,5% da produção mundial e quase
1,2% do total global das exportações de manufaturas.
Três décadas depois, o encolhimento da indústria brasileira foi
significativo. Do total do valor adicionado pela indústria no mundo, o Brasil
contribuiu, em 2020, com somente 1,3% (52% menor que em 1990), enquanto no
total global das exportações de manufaturas, país respondeu com menos de 0,8%
(35% inferior de 1990).
Da mesma forma, a partir de 1990, o parque produtivo complexo,
diversificado e integrado que o país possuía definhou quando a Lei de
Informática foi posta abaixo e foram abertas as portas para importações. Isso
porque a demanda de bens e serviços manufaturados foi deslocada por força do
receituário neoliberal da produção interna para a compra externa.
Em síntese, o que até então era produzido internamente, gerando emprego,
renda e tributação no Brasil, inclusive com a colaboração do sistema
nacional de ciência e tecnologia, foi sendo trocado pela compra do exterior.
Com a desconexão imposta por políticas governamentais no interior do sistema
produtivo, a dependência do exterior aumentou, acompanhada por déficits na
balança do comércio externo de manufatura.
O vazio ocupacional, da renda e da tributação interna resultaram na
perda do dinamismo da economia, provocando a estagnação da renda per
capita, junto com um crescente aumento nas transferências de divisas,
ocasionado pelo pagamento dos bens de maior valor agregado importados,
royalties e pacotes tecnológicos das corporações transnacionais.
O futuro do país hoje depende da reindustrialização nacional. Isto não
significa dizer que o Brasil deve deixar de ser uma potência agrícola. Pelo
contrário, o retorno à condição de ascendência manufatureira é possível e
condizente com o êxito agropecuário nacional.
Leia também: Comida
desperdiçada, todos os anos, poderia alimentar 1,26 bilhão de pessoas https://bit.ly/3zgNkg0
Para tanto, requer o estabelecimento de novas conexões no interior do
sistema produtivo, que integrem e articulem as relações entre os diferentes
complexos setoriais com as bases industriais do país. Nesse sentido, por
exemplo, cabe perfeitamente uma orientação dos financiamentos ao complexo do
agronegócio ligados à aquisição de equipamentos e implementos de produção de
conteúdo nacional.
Da mesma forma, outros importantes complexos produtivos como a saúde,
cujas compras do Sistema Único de Saúde estariam direcionadas ao conteúdo
nacional, por exemplo, para aquisição de equipamentos médico-hospitalares, de
produtos fármacos, segmentos de biotecnologia e outros. Também os complexos dos
bens de consumo e da infraestrutura urbana e de energia poderiam estar melhor
conectados com a base produtiva nacional.
Ademais de impulsionar o nível interno do emprego e renda (lucros,
salários e arrecadação tributária), o sistema de educação, ciência e tecnologia
e formação para o trabalho teriam maior efetividade, rompendo com o processo em
curso da fuga de cérebros, empresas e empresários do país. Somente outra
maioria política pode ter a força de reverter o sentido de Brasil
subdesenvolvido e dependente do exterior que se aprofundou desde a dominância
neoliberal nos últimos tempos. Contra isso, a reindustrialização já.
Pedir o voto é um ato de cidadania https://bit.ly/3QUTNTT
Nenhum comentário:
Postar um comentário