A ignorância odeia Paulo Freire
Enio Lins, tribunahoje.com
Imensurável ainda os estragos causados à cultura brasileira pela onda retrógrada que se alastrou pelo País em ação da extrema-direita contra o sucesso dos governos por ela tidos como “esquerda” – aí englobados, grosso modo, tanto as gestões petistas quanto as tucanas, igualadas por um raciocínio tão estúpido quanto rasteiro.
Paulo Freire (1921/1997) é um dos principais alvos dessa fusão de obscurantismo
com negacionismo. Um dejeto da virulência ideológica circulantes nas redes
compara Freire com Foucault, Hobsbawm, Simone de Beauvior, Sartre... e agride a
todas essas inteligências notáveis com coices ensandecidos. Os princípios da
liberdade na educação, da democratização do ensino, do saber vinculado às
questões mais sentidas em cada comunidade são vistos como subversivos e
perigosos.
Atribuem
ao educador pernambucano a responsabilidade de “deixar em situação
deplorável o ensino no Brasil nos três níveis [sic]”, desconhecendo que o
Método Paulo Freire é concebido originalmente para adultos analfabetos. Ignoram
também que o pai da “Pedagogia do Oprimido” – terceira obra mais citada
mundialmente em estudos na área de ciências humanas – é o educador brasileiro
mais prestigiado no Ocidente, e seu currículo conta com pelo menos 48 títulos
no nível de Doutor Honoris Causa em universidades brasileiras e do exterior.
Aplicado
hoje na Alemanha no ensino do idioma alemão para refugiados estrangeiros, o
Método Paulo Freire só foi integralmente experimentado no Brasil em 1961, na
localidade de Angicos, Rio Grande do Norte, quando 300 adultos, cortadores de
cana, foram alfabetizados em apenas 45 dias. Esse modelo chegou a ser inscrito
no Plano Nacional de Alfabetização elaborado pelo governo João Goulart, mas foi
excluído pelo golpe de 1º de abril de 1964. Como se sabe, a fórmula freiriana
tem como base alfabetizar com o uso das vivências locais, e termos próprios do
cotidiano de quem, até então, não sabe ler ou escrever. Processo que ainda
hoje, 61 anos depois de sua primeira experiência, espera ser utilizado em larga
escala no Brasil.
Alvo do
ódio por tentar um método revolucionário de alfabetização,
Paulo Freire foi preso em 1964 e forçado a se exilar. O mundo o acolheu: em
1969 foi convidado para ensinar em Havard e em 1970 escolhido como coordenador
emérito do Conselho Mundial de Igrejas, sediado em Genebra, na Suíça. Voltou ao
Brasil com a redemocratização, mas nem depois de morto a ignorância nacional e
o analfabetismo político o perdoam.
Veja: De poeta para poeta em defesa da
democracia https://bit.ly/3DLZpMN
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