Compra de votos e fake news eram
bola cantada e são leite derramado
Compra de votos custa mais do que gasto eleitoreiro; Justiça
não se preparou para fakes
Vinicius Torres Freire, Folha de
S. Paulo
Está uma corrida maluca para se fazer a conta de quanto o
governo Jair Bolsonaro (PL)
gastou a fim de adquirir votos. Está um "barata voa" no TSE, afogado pela torrente de
"fake news" e outras imundícies. É leite derramado, eram bolas
cantadas.
Além disso, essas contas de gasto eleitoreiro são meio ingênuas
e deixam transparecer uma ideia equivocada dos efeitos de políticas de governo.
O TSE, por sua vez, quis conter a onda de sujeira com um balde e
tomou um caldo, "hecatombado pela vaga da ressaca", para citar Mario
Faustino (poeta, 1930-1962).
As contas dos gastos eleitoreiros parecem a contabilidade de um
negócio no balcão. Gastaram-se tantos dinheiros a mais para convencer tais
clientelas a votar em Bolsonaro. Um tanto de Auxílio Brasil de
última hora, outro de subsídio de gasolina, um teco de consignado para
miseráveis (o que já é um erro, pois gasto é uma coisa, crédito é outra). É
tudo muito pior e maior.
Um exemplo. Certos gastos vão se estender além da eleição. A
despesa eleitoreira aumentou a dívida do governo, com o que se pagam mais
juros. Neste buraco em que estamos, o próprio aumento da dívida provoca aumento
de juros.
A fim de poder gastar mais, o governo avacalha o teto de gastos desde
2021, sem colocar nada de razoável no lugar, o que desmoraliza inclusive as
tentativas futuras de evitar o crescimento sem limite da dívida, o que é um
dano duradouro, inclusive na taxa de juros.
Em muitas providências de governos, prestantes ou idiotas,
"as consequências vêm depois", como diz a piada velha. Raramente
governos são máquinas de produzir bons resultados imediatos relevantes (embora
possam fazer estrago instantâneo, vide a conservadora e libertária Liz Truss no
Reino Unido).
Prometer maná imediato, "eleitoreiro" ou não, pode
resultar em sete anos bíblicos gordos, seguidos de sete anos de fome. Já
reprisamos esse filme muitas vezes? Quem mede a qualidade de governos por essas
contabilidades rudimentares não entendeu o problema.
O país padece de imprevidência também no caso do Tribunal
Superior Eleitoral e do Supremo —sob Bolsonaro, o país não tem mais
Procuradoria-Geral.
Quantos foram processados e julgados por crimes eleitorais,
calúnias, injúrias e difamações políticas etc. desde 2018, quanto esta Folha noticiou o
jorro de mensagens da campanha de Bolsonaro?
Difícil dizer o efeito positivo de gente indo para a cadeia ou
pagando multas incapacitantes por promover patranhas ou financiar a organização
criminosa. Mas se trata de atividade elementar da Justiça: desincentivar o
crime.
O problema vai além, como argumentam entendidos no assunto.
Não é possível apenas reagir à avalanche de mentiras, de resto
como se estivéssemos vivendo em tempos de comunicação analógica, de dar
"direitos de resposta" na imprensa, ou, como agora, de tirar tal ou
qual "conteúdo" do ar.
Ainda que tais decisões de remover o lixo fizessem algum efeito,
a estrutura física dos tribunais e sua agilidade teriam de ser muito maiores.
Não são. O excesso de crimes de informação torna o sistema de vigilância e
punição ineficiente, quando não mete os pés pelas mãos.
Além de processos, punições e infraestrutura, parece faltar
inteligência tecnológica. O que fazer dos algoritmos que disseminam mentiras em
cascata e de modo direcionado ("viralizam")? Como responsabilizar
as "big techs" das redes ou
chama-las às falas com antecedência?
Em resumo, a conta do dano econômico da compra de votos vai além
da contabilidade do "toma lá, dá cá"; depende ainda do estrago nas
estruturas institucionais, depredado também pelo novo sistema de informação
pública. [Ilustração: Daniel Paz]
Leia também: A imoralidade de governo em nível equivalente às
republiquetas e tiranias mais indecentes https://bit.ly/3F0vG3w
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