24 novembro 2022

Minha opinião

Nada fácil na transição

Luciano Siqueira


 
No segundo turno da eleição presidencial de 1989, encontrei na fila de embarque no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, o então deputado Nilson Gibson, de longa trajetória ultra conservadora na cena política regional:

"Nilson, parece que vamos ganhar as eleições e Lula será nosso presidente", provoquei.

"Se seu candidato ganhar, farei parte da base. Não há força humana que me coloque na oposição", retrucou na maior tranquilidade.

Collor venceu o pleito, ele não precisou mudar de lado tão automaticamente. Mas na esfera local, originário da Arena e do PDS, terminaria migrando para o PMDB e para o PSB, para seguir Miguel Arraes.

Era um típico parlamentar do que hoje conhecemos por Centrão: "há governo, sou a favor".

Entretanto, nem o Centrão de agora é o mesmo, nem a atração do novo governo Lula se dá como das vezes passadas. A nação segue dividida ao meio, com marcantes reflexos sobre a composição do Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados principalmente.


Isso se reflete no trabalho da chamada equipe (que alguns erroneamente denominam "governo") de transição. Nem todas as informações essenciais solicitadas ao governo findo fluem na dimensão e na rapidez desejáveis, nem parece simples a negociação em torno da denominada PEC da transição, tida como indispensável ao lastro orçamentário para o cumprimento de compromissos sociais elementares por parte do novo presidente, a exemplo do Auxílio Brasil (que se converterá no Bolsa Família).

O noticiário registra o que parecem filigranas no texto da PEC em elaboração, seja quanto ao montante da dotação orçamentária, seja quanto ao período de validade.

Na verdade, o nó está na real correlação de forças e no preço do voto de boa parte dos parlamentares sem o apoio dos quais a PEC não se viabiliza.

Basta lembrar que Lula teve 50,90% dos votos válidos contra o atual presidente, que obteve 49,10%. Diferença muito pequena.

E não fosse a amplitude extrema da frente político-eleitoral democrática constituída, provavelmente Bolsonaro seria reeleito.

E é essa frente ampla que haverá de governar, assim como construir a maioria parlamentar indispensável à governabilidade.

Então, como se dizia no século passado, vamos devagar com o andor que o santo é de barro. 

Vale para a futura composição do ministério e demais espaços institucionais estratégicos, vale para o programa de governo propriamente dito — este inevitavelmente uma mescla do que foi elaborado durante a campanha e do que objetivamente será viável, particularmente nos dois primeiros anos de gestão.

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