21 dezembro 2022

Afronta à História

Entidades criticam fim de Comissão de Desaparecidos pelo governo Bolsonaro

Criado em dezembro de 1995, órgão foi extinto no apagar das luzes de governo Bolsonaro
Matheus Tupina, Folha de S. Paulo

 

Diversas entidades e ONGs de direitos humanos repudiaram a ação do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) de extinguir a CEMDP (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos).

As organizações afirmaram que a comissão é prevista pela Constituição Federal e que ainda não cumpriu sua tarefa legal em totalidade, sendo o movimento um ataque à memória das vítimas da ditadura militar, que vigorou entre 1964 e 1985.

Instituto Vladimir Herzog, organização brasileira de defesa dos direitos humanos, disse em nota que o fechamento do órgão é uma tentativa de acobertar os crimes do regime autoritário que vigorou no país.

A organização classificou o fim do colegiado como uma tentativa de Bolsonaro de tumultuar o cenário político nacional a 15 dias da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente eleito.

Já a Anistia Internacional, ONG internacional de direitos humanos, afirmou que a extinção da comissão é um retrocesso e uma ameaça ao processo de justiça de transição brasileira, com violações de direitos à verdade, à justiça e à reparação das vítimas e familiares delas.

Também lembrou sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro que obriga o país a apurar, processar e responsabilizar autores dos crimes cometidos no regime militar, além do reconhecimento das violações de direitos humanos do período como crimes contra a humanidade.

A Conectas Direitos Humanos ressaltou o caráter da votação pela extinção da comissão —todos os favoráveis são aliados do presidente Bolsonaro.

Ariel de Castro Alves, advogado e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, disse que o fim do colegiado é uma afronta à história do Brasil e aos familiares das vítimas mortas e desaparecidas pela ditadura militar, e que o ato visa atender anseios e interesses dos militares.

"Faz parte da conjuntura de discursos e declarações dele e de parte dos militares, que absurdamente defendem que não houve ditadura, contrariando todos os fatos", comentou.

A CEMDP foi criada em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e buscava reconhecer pessoas mortas ou desaparecidas em razão de atividades políticas na ditadura militar, além de localizar corpos e realizar indenizações aos familiares.

O órgão, vinculado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, foi extinto na manhã da última quinta-feira (15), duas semanas antes do fim do mandato do atual presidente.

Votaram favoravelmente Marco Vinicius Pereira de Carvalho, presidente da comissão, além do deputado federal Filipe Barros (PL-PR), representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Jorge Luiz Mendes de Assis, representante das Forças Armadas, e Paulo Fernando Melo da Costa, representante da sociedade civil.

Todos foram nomeados por Bolsonaro, já que o Executivo poderia nomear quatro dos sete integrantes.

Uma semana antes, o MPF (Ministério Público Federal) recomendou a reprovação da extinção do grupo, alegando que as competências do colegiado, previstas em lei, ainda não tinham sido esgotadas.

O fim da comissão era um dos planos de governo de Bolsonaro, sendo quase encerrado em junho deste ano, quando foi marcada reunião com a alegação de que houve "a conclusão da análise de todos os processos de solicitação de indenizações". A decisão foi adiada para este mês.

Carvalho, presidente do colegiado e advogado bolsonarista, foi ex-assessor de Damares Alves e tentou pautar o fim do órgão ainda em 2019, sem sucesso.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos declarou, em nota, que a busca por desparecidos não termina com o fim do grupo e que todos os processos judiciais em curso, dos quais a União é parte, continuam em andamento.

Capitão reformado do Exército, o presidente é um defensor da ditadura e homenageou em seu voto em favor do impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), torturada pelo regime, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais símbolos da repressão do período.

Suplantar a cultura do ódio é uma luta de longo curso https://bit.ly/3Us8tfj

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