07 dezembro 2022

LGBTQIA+Qtar

As cores do arco-íris

Cícero Belmar*

 

Se você quiser que todo mundo veja uma coisa, esconda-a. Um aventureiro curioso vai procurá-la até achá-la. O contrário também é verdadeiro. Quer escondê-la? Deixe-a bem à vista de todos, ninguém dará a mínima. Essa contradição se ajusta com perfeição à Copa do Mundo 2022. O Catar, país-sede do campeonato, quis esconder a causa LGBTQIA+ e até o início da competição parecia ter conseguido o intento. Até que os jogos começaram.

Foram várias pressões. Desde sexta-feira passada, os torcedores já podem exibir bandeiras do arco-íris nos estádios. As autoridades locais relaxaram as regras e permitiram que os visitantes internacionais expressem, nas arquibancadas, o apoio à comunidade LGBTQIA+. Os policiais e seguranças receberam a última forma e estão “pianinhos” (delicados), como se diz no Recife.

Sinal dos tempos, as organizações que trabalham com a causa não precisaram mexer um dedo para acabar com a rigidez dos princípios. Foram os próprios times, e os turistas, que colocaram a questão em campo. A Dinamarca, por exemplo, ameaçou se desfiliar da Fifa porque foi obrigada a retirar a braçadeira LGBTQIA+ dos seus jogadores. Antes, para se ter uma ideia, uma bandeira de Pernambuco foi arrancada das mãos de uns turistas porque os policiais acharam que era o símbolo da diversidade sexual. Pegou mal.

Parece uma digressão, e de fato é, mas é preciso que se diga: não existe um único habitante de Pernambuco que não tenha a certeza absoluta de que tudo no estado é especial, lindo e grandioso. Principalmente a bandeira. Em Pernambuco a população nutre um sentimento superlativo e de orgulho pelas coisas da terra. “Não quero humilhar ninguém, quando digo que sou pernambucano”.

Por isso, aquilo que os neuróticos do Catar fizeram com a minha, a sua, a nossa bandeira foi um sacrilégio. Repetindo a indignação, tomaram a flâmula das mãos de pernambucanos que foram ver os jogos da Copa, lançaram nossa imagem no chão e ainda tiveram a audácia de pisar em cima dela. Como se, assim, humilhassem na orientação sexual das pessoas.

Para nós, a bandeira do estado não é uma bandeira simplesmente. É uma instalação artística, é nossa metáfora de céu azul anil, símbolo de um povo caloroso, nossa imagem para o mundo. É a nossa voz orgulhosa que grita em linguagem de bandeira, para se destacar na multidão e superar o nosso anonimato. Para quem não conhece, a bandeira de Pernambuco, em linhas gerais, é bem colorida. Tem dois retângulos largos e horizontais. O de cima é azul anil; o de baixo, branco.

A parte azul é o céu e tem um arco-íris com tem três cores: vermelho, amarelo e verde. Foi ele quem causou o mal-entendido no País do Oriente Médio. Aqui, o mesmo arco-íris simboliza a união dos povos e faz referência à diversidade cultural. A polícia do Catar achou que era a do movimento LGBTQIA+. No Catar, já se sabe, a diversidade vai pro paredão.

Por pouco os pernambucanos não foram às masmorras. Acabou tudo bem. O mais curioso, nesse episódio, é que quem sofreu o preconceito, ao serem confundidos, foram pessoas, à princípio, de orientação heterossexual. Confundidas se não como homo, foram, pelo menos, como simpatizantes.

O preconceito é uma forma de olhar no escuro da vida: os soldados do Catar revelaram, naquele gesto, o lado mais deplorável da humanidade. Olharam para os pernambucanos que estavam com a bandeira como muitas pessoas, no Brasil, olham, julgam e condenam o homossexual, a travesti, a lésbica, as pessoas transgênero. O Brasil, como o Catar, também é cruel com quem ousa ser diferente.

Os visitantes do país da Copa foram classificados como indignos, por outros seres humanos, que se acharam superiores, simplesmente porque não aceitam a causa LGBTQIA+. Preconceito, quando é grande demais, vira exemplo pedagógico.

*Jornalista, escritor, membro da Academia Pernambucana de Letras

A militância nossa de cada época https://bit.ly/3nPEdMT

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