Como usar a ansiedade a seu favor
Da "ansiedade climática" à síndrome de Fomo (o
medo de não conseguir acompanhar os acontecimentos), a vida moderna parece ser
muito estressante — o que também pode trazer benefícios.
Tracy Dennis-Tiwary, BBC Brasil
Quando meu filho nasceu com uma condição cardíaca congênita,
eu me senti perdida, como qualquer pai ou mãe ficaria.
Ele precisava de uma cirurgia do coração e eu fiquei
totalmente incerta sobre o futuro. Eu sabia que o resultado da operação poderia
não ser bom, mas que também poderia ser positivo se eu conseguisse oferecer os
melhores cuidados possíveis.
Em uma época como aquela, era difícil concentrar-me no lado
positivo, mas aprendi que poderia usar minha ansiedade para me manter
energizada. Sabendo que o futuro era incerto, mas que minhas ações podiam
influenciar o resultado, minha ansiedade me ajudou a permanecer ativa em uma
situação que poderia levar outras pessoas a sentir que não havia esperança.
Acredito que a ansiedade pode ser um instrumento para nos
ajudar a enfrentar os desafios que a vida nos apresenta. Mas, para muitas
pessoas, ela pode ser sufocante e virou sinônimo de sensação de mal-estar.
Quando eu era criança nos anos 1980, estresse era sinônimo de
desconforto emocional. Como estão os planos do seu casamento? Oh, estão ótimos,
mas estou estressada. Como está saindo sua quimioterapia? Muito estressante,
mas estou conseguindo.
Hoje, parece que estamos vivendo na era da ansiedade. A
ferramenta Google Trends mostra que as buscas pela palavra
"ansiedade" aumentaram em mais de 300% desde 2004.
A ansiedade está na nossa mente por bons motivos. Até 31% da
população norte-americana sentirá um transtorno de ansiedade em algum momento
das suas vidas, que pode variar desde o transtorno de ansiedade generalizada
até o transtorno do pânico e o transtorno de ansiedade social, que é um dos
mais comuns.
Essa palavra também parece
ter saído dos diagnósticos médicos e se infiltrado no nosso vocabulário comum.
Ela substituiu o estresse como sinônimo de sensação desconfortável - ficamos
ansiosos com uma apresentação, um encontro às escuras, o início de um novo
trabalho.
A palavra
"ansiedade" agora é onipresente e absorve significados, como uma
ameba, englobando tudo, desde o pavor até uma antecipação agradável. Muitas
vezes, seu simples uso coloca essas experiências em um foco negativo,
transformando-as em ameaças com um toque de inquietação.
E existem os transtornos
de ansiedade. Eles são os diagnósticos mais comuns de saúde mental - mais que a
depressão e a dependência. Centenas de milhões de pessoas em todo o mundo serão
diagnosticadas com algum transtorno de ansiedade ao longo da vida.
As taxas de incidência
desses transtornos, especialmente entre os jovens, continuam a aumentar há pelo
menos duas décadas. Existem ainda dezenas de terapias validadas, 30 medicações
diferentes de combate à ansiedade, centenas de excelentes livros de autoajuda e
milhares de estudos científicos rigorosos.
É claro que essas soluções
podem ajudar as pessoas, mas claramente elas não conseguiram reduzir a escala
do problema. Por quê?
Para que serve a ansiedade?
No meu livro Future Tense ("Tempo
futuro", em tradução livre), uma razão desse fracasso é o fato de que nós,
os profissionais de saúde mental (e aqui me incluo), inadvertidamente
informamos as pessoas erroneamente no passado - e esse mal-entendido nos
prejudicou.
Proponho agora uma
abordagem mais útil e promissora para compreender e viver com a ansiedade no
século 21, fazendo uso dela em nosso benefício.
Emoções negativas como a
ansiedade têm má reputação há muito tempo. Ela é irracional, na melhor das
hipóteses, destrutiva no pior dos casos.
O poeta da Roma antiga Horácio escreveu, há mais de 2 mil
anos, que a "raiva é uma pequena loucura". Mas, ao longo dos últimos
150 anos, a partir do livro A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, de
Charles Darwin, passamos a realmente compreender que emoções como a raiva, o
medo e a ansiedade são mais convenientes do que perigosas.
Como o polegar opositor e
a linguagem, as emoções são ferramentas para nossa sobrevivência, forjadas e
refinadas ao longo de centenas de milhares de anos de evolução para proteger os
seres humanos e garantir o seu progresso. Elas agem fornecendo duas coisas:
informações e preparação.
A ansiedade é a informação
sobre a incerteza do futuro: algo de ruim pode acontecer, mas algo de bom,
também. A ansiedade espera se o seu teste de covid tem resultado positivo ou
negativo ou antecipa aquela conversa difícil com seu chefe, que pode sair bem
ou desviar-se completamente do esperado.
Mas a ansiedade não
informa sobre certas ameaças presentes - quem faz isso é o medo. Quando você vê
uma barbatana de tubarão erguendo-se da água a poucos metros de distância,
enquanto está nadando, por exemplo. O medo primeiramente nos prepara para
lutar, fugir ou congelar.
Já a ansiedade constrói a
civilização. Ela nos prepara para persistir, permanecer vigilantes e agir de
forma a evitar desastres futuros, podendo também transformar possibilidades
positivas em realidade.
Quando estamos ansiosos,
não somos apenas criativos e inovadores. Nossos cérebros reagem com maior
concentração e eficiência quando enfrentamos o imprevisível.
A ansiedade, por isso, é
mais do que o "circuito elétrico do medo" no cérebro. A ansiedade
também ativa nossa necessidade de recompensa e conexões sociais, impelindo-nos
a trabalhar por aquilo de que cuidamos, a conectar-nos com os demais e a ser
mais produtivos.
Por isso, do ponto de
vista da teoria da evolução, a ansiedade não é destrutiva. A ansiedade
incorpora a lógica da sobrevivência.
Mas a teoria da evolução e
as pesquisas não atingiram a consciência pública, nem a maioria dos
profissionais médicos. Longe de tratar a ansiedade como uma possível aliada,
nós a tratamos como um inimigo fazendo barulho no portão.
Os transtornos da
ansiedade podem ser paralisantes, mas o uso disseminado do termo
"ansiedade" para indicar um mal-estar em geral é problemático. Ele significa
que nós aceitamos duas falácias fundamentais: (a) a experiência da ansiedade é
perigosa e destrutiva; e (b) a solução para a sua dor é evitá-la ou erradicá-la.
Esta forma de pensar nos
levou a perceber nossas ansiedades diárias como distúrbios a serem reparados.
Mas somente os transtornos da ansiedade - quando a ansiedade extrema e nossas
tentativas de lidar com ela interferem no nosso dia a dia - são reconhecidos
como condições de saúde mental. Já a emoção da ansiedade deve ser considerada
normal, saudável e até benéfica.
A lógica inexorável dessa
metáfora da doença nos convoca a levá-la ainda mais um passo adiante: como em
outras enfermidades, desde doenças infecciosas até o câncer, enquanto não
suprimirmos a ansiedade, não podemos ter saúde mental, da mesma forma que a
simples presença de uma célula cancerosa significa que estamos doentes.
E essa metáfora da doença
nos aprisiona, em vez de nos animar. Ela nos faz confundir a ansiedade normal
com uma doença. Passamos a temer, evitar e suprimir qualquer sensação ansiosa
assim que ela surge.
Ao contrário das doenças
infecciosas ou do câncer, evitar e suprimir a ansiedade certamente a
amplificará, trazendo simultaneamente um custo de oportunidade, evitando que
procuremos formas produtivas de enfrentar e estabelecer técnicas de resiliência
emocional.
Este é o círculo vicioso
da ansiedade, que cresce até sair de controle: sentir que a ansiedade é
perigosa, ter medo dela e, por fim, fugir dela, suprimindo-a e evitando-a.
E os danos causados para a
ansiedade pela metáfora da doença não param por aqui. Eles também nos impedem
de observar que a ansiedade não é simplesmente algo para se reduzir e controlar.
Por que ela incomoda tanto?
A ansiedade serve para
potencializar e alavancar. Ela evoluiu para nos ajudar a persistir, inovar,
aumentar nossas conexões sociais e manter nossa esperança face às incertezas,
para podermos criar um futuro melhor.
Mas, se a ansiedade é algo
tão bom, por que a sensação que ela traz é tão ruim?
A ansiedade precisa causar mal-estar para fazer o seu
trabalho. A própria origem da palavra, derivada das palavras em latim e grego
para engasgado, dolorosamente restrito e desconfortável, reflete essa sensação
desagradável, que é essencial.
Somente algo tão
desagradável pode nos compelir de forma consistente a parar e prestar atenção,
exigindo efetivamente que trabalhemos mais para evitar perigos futuros e traçar
um curso mais positivo. E, ainda assim, a maioria de nós aprendeu a evitar e
ignorar essa emoção tão útil, para nosso prejuízo.
Pense na ansiedade como um
alarme contra incêndios, avisando que a casa está pegando fogo e alertando para
que você tome alguma providência. O que aconteceria se, em vez de sair de casa
e chamar os bombeiros, você simplesmente ignorasse o alarme, retirasse a
bateria do aparelho ou evitasse lugares da casa onde o alarme soa mais alto?
Em vez de se beneficiar do
alarme, apagando o fogo e evitando incêndios futuros, você iria simplesmente
esperar, rezando para que a casa não fosse destruída.
Não podemos ignorar o
papel desempenhado pelas adversidades e pelo estresse implacável. Às vezes, a
vida simplesmente não dá folga e qualquer pessoa nessa situação sentiria
ansiedade, que poderia ser intensa e esmagadora.
Mas, independentemente da
causa, ouvir a nossa ansiedade - acreditando que exista sabedoria inerente no
que ela tem a nos dizer e que podemos usá-la em nosso benefício - é a primeira
etapa para aprendermos a ser ansiosos da forma correta. E esta mudança de
mentalidade traz um impacto positivo poderoso.
A ansiedade como ferramenta
Um estudo da Universidade
Harvard, nos Estados Unidos, demonstrou que, quando pedimos a pessoas
socialmente ansiosas uma tarefa realmente estressante - dar uma palestra
pública em frente a um quadro de juízes sem tempo de preparação - mas também
ensinamos a elas a pensar nas suas reações ansiosas como sinal de que estamos
prontos para enfrentar um desafio (em vez de um sinal de angústia), elas
apresentam melhor desempenho sob pressão.
As pessoas foram mais
confiantes, menos ansiosas e apresentaram batimentos cardíacos mais estáveis e
pressão sanguínea mais baixa quando estavam envolvidas e concentradas.
Interagir com a ansiedade,
muitas vezes, é a chave da cura.
Existem pesquisas com
veteranos de guerra que reduzem seu risco de desenvolver estresse
pós-traumático quando prestam mais atenção às informações que provocam
ansiedade, em vez de distrair-se delas.
Por outro lado, existem
também pacientes de transplante de coração que precisaram de menos dias de
hospitalização enquanto esperavam pelo transplante e, portanto, apresentavam
mais probabilidade de qualificar-se para a cirurgia enquanto estavam ansiosos.
Aprender a ser ansioso da
forma certa significa encontrar formas de trabalhar a ansiedade, em vez de
contorná-la - alavancar e canalizar a ansiedade para atingir objetivos e
discernir quando a ansiedade não é útil e deixar que ela passe.
Pense neste círculo
virtuoso da ansiedade como dividido em três partes: ouvir, alavancar e deixar
que ela passe.
Ouvir
A ansiedade ajuda a
ampliar a nossa concentração e motivação enquanto nos aproximamos do ponto onde
queremos estar. É por isso que a ansiedade traz esperança. Podemos observar
ameaças futuras, mas também temos os olhos voltados para o prêmio à nossa
frente, acreditando que podemos trabalhar para transformar as boas perspectivas
em realidade.
Mas, para que a ansiedade
nos leve até lá, ela precisa ser desconfortável para podermos nos levantar,
prestar atenção e ouvir o que ela está dizendo. Sentimentos terríveis, que não
podem ser ignorados, também nos fazem querer nos afastar deles. É por isso que,
quando o assunto é ouvir a ansiedade, a curiosidade é a nossa melhor amiga.
Alavancar
Encontrar informações úteis na ansiedade nos prepara para canalizar e dirigir
nossas energias para os objetivos e buscar propósitos. Dedicar tempo para
pensar no nosso propósito melhora o ânimo e aumenta a concentração e o
aprendizado. Esses benefícios podem durar meses ou até anos.
Quando canalizamos nossa
ansiedade para buscar e priorizar nossos propósitos, ela se transforma em
coragem. A ansiedade alimenta nossos impulsos e libera nossas forças.
Deixar passar
Mas a ansiedade nem sempre
é útil ou direta. Às vezes, ela demora para revelar sua mensagem.
Em outras ocasiões, ela
não tem sentido. A vida é mesmo desafiadora e existem muitas emoções, mas
nenhuma informação útil. A ansiedade nos lança em um rodopio para o tempo
futuro, preocupados e oprimidos. Qual a melhor forma de fazê-la passar?
Procure atividades
relaxantes e que causem sua imersão no presente. Leia um poema favorito ou
busque consolo na música. Ouça aquele novo podcast. Exercite-se ou faça uma
caminhada tortuosa.
Ligue para o terapeuta ou
para aquele amigo que sempre traz um ponto de vista útil. É nesses momentos que
também construímos a consciência emocional e as técnicas para lidar com nossas
emoções difíceis, sem nos afastarmos delas, e buscar apoio quando precisamos.
Ansiosos da forma certa
Nestes tempos de pandemia,
polarização política e mudanças climáticas, muitos de nós certamente nos
sentimos sobrecarregados pela ansiedade com o nosso futuro. Para lidar com
isso, aprendemos a lidar com a ansiedade como fazemos com qualquer doença -
queremos preveni-la, evitá-la e eliminá-la a todo custo.
Mas o fato é que, com
isso, estamos andando para trás. O problema não é a ansiedade. A ansiedade é o
mensageiro que nos conta que estamos enfrentando incertezas e precisamos lidar
com as dificuldades; ou que nos mostra que a nossa vida precisa mudar ou
estamos precisando de ajuda.
Na verdade, um dos
principais problemas é que as nossas crenças sobre a ansiedade nos impedem de
acreditar que podemos lidar com ela; que podemos ter acesso a estratégias de
sobrevivência, aos tratamentos existentes e nos beneficiar deles; e que podemos
aprender a usá-la em nosso benefício.
E, quando nossas crenças
aumentam a ansiedade, temos maior risco de caminhar rumo à ansiedade
debilitadora e seus transtornos.
O principal problema para
alguém diagnosticado com um transtorno de ansiedade não é a intensa ansiedade
que ele está sentindo, mas que as ferramentas à sua disposição para desligar
esses sentimentos estão causando impedimento funcional. Elas impedem o
autocuidado, o trabalho, a conexão com os demais e uma vida de realizações.
Mudar nossa abordagem
sobre a ansiedade pode ajudar, independentemente da nossa posição no espectro
da ansiedade. E todos nós estamos em algum ponto desse espectro.
Mais de 180 anos atrás, o
filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard escreveu: "Qualquer pessoa que
aprender a ficar ansiosa da forma correta aprendeu o que há de mais
elevado".
Todos nós nascemos
ansiosos. A tarefa do ser humano é aprender que a ansiedade pode ser difícil e,
às vezes, até aterrorizante. Mas podemos aprender a transformá-la em um aliado,
um benefício e uma fonte de criatividade. Quando resgatarmos a ansiedade,
resgataremos a nós mesmos.
*Tracy Dennis-Tiwary é autora do livro
"Future Tense: Why Anxiety is Good for You (Even Though it Feels Bad"
("Tempo futuro: por que a ansiedade é boa para você (mesmo causando
mal-estar)", em tradução livre), professora de psicologia e neurociências
e diretora do Laboratório de Regulação das Emoções da Faculdade Hunter em Nova
York, nos Estados Unidos.
Leia também: Agroecologia, uma vertente do combate à fome https://bit.ly/3Ot0mgz
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