21 janeiro 2023

Frágil inteligência artificial

O macaco eletrônico

Pedi ao chat GBT a minha biografia. Deu-me um conjunto de dados insípidos, roubados à Wikipedia e a outras fontes. Era um texto cheio de erros
José Eduardo Agualusa/O Globo

 

Nas últimas semanas li muitos artigos vaticinando o fim dos jornalistas, dos colunistas, e até dos romancistas, como consequência do desenvolvimento de ferramentas de inteligência artificial. O motivo para tanta excitação é um utensílio desenvolvido pela OpenAi, o Chat GPT (Generative Pre-training Transformer), que fornece respostas rápidas a quase todo o tipo de questões, e que qualquer pessoa pode consultar.

Depois de ler várias crônicas total ou parcialmente escritas pelo Chat GPT, decidi experimentar. Como sou simultaneamente muito otimista e muito preguiçoso, em vez de ficar inquieto, pensei que poderia imitar os meus colegas e deixar que o Chat GPT escrevesse esta coluna. Eu aproveitaria para tomar sol no pátio, lendo o novíssimo romance de Wole Soyinka, “Crônicas do lugar do povo mais feliz da Terra”.

Infelizmente, tenho más notícias: não consegui tomar sol, e fui forçado a adiar, uma vez mais, a leitura do novo romance do Nobel nigeriano. O que quero dizer é que todos os parágrafos desta coluna são da minha autoria.

Sim, é verdade que o Chat GPT escreve num português correto e escorreito. Não detectei nele, contudo, sinais de inteligência nem remotos vestígios de criatividade. Tampouco me pareceu confiável. Pior: tenho conhecido matemáticos com mais sentido de humor.

Em 1913, um desses matemáticos, o francês Émile Borel, imaginou uma experiência mental que ficou conhecida como o Teorema do Macaco Infinito. Imaginemos um macaco diante de uma máquina de escrever (isto era em 1913, agora pode ser diante do teclado de um computador), digitando ao acaso. Segundo Borel, se o deixarmos estar lá por um tempo infinito, em algum momento ele redigirá as obras completas de Shakespeare.

O Chat GPT é esse macaco, com acesso a uma quantidade quase ilimitada de informação, e a um tempo que não é o nosso — um tempo infinito. Além disso, conhece muito bem as regras das línguas em que escreve. O que ele faz é recolher e reorganizar a informação de que dispõe. Apenas isso.

Para testar a fiabilidade do Chat GBT, pedi-lhe que redigisse o meu obituário. Recusou-se, alegando que eu ainda não havia morrido, e que, além disso, não conseguia aceder a dados de um tempo futuro. Pedi-lhe então a minha biografia. Deu-me, em poucos segundos, um conjunto de dados insípidos, roubados à Wikipedia e a outras fontes duvidosas. Era um texto cheio de erros. Devo reconhecer, a favor do Chat GBT, que alguns desses erros me pareceram muito generosos e lisonjeiros.

A seguir, decidi testar a criatividade do Chat GBT, pedindo-lhe para inventar neologismos, a partir de determinadas palavras. Cumpriu a missão, mais uma vez num piscar de olhos, mas sem o menor brilho. Os meus filhos, na época em que estavam aprendendo a falar, saíram-se sempre muito melhor. Lembro-me de alguns desses neologismos produzidos por eles: hematombo (um hematoma resultante de uma queda); desespantado (o sujeito irritantemente cético); ou armadilhoso (aquela pessoa cheia de artimanhas).

Resumindo: não será ainda este ano que o Chat GBT me rouba o emprego. Em contrapartida, não sei quando conseguirei ler o Wole Soyinka.

A realidade é furta-cor https://bit.ly/3Ye45TD

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