23 janeiro 2023

Futebol: a parte e o todo

Para se formar uma grande equipe é preciso generosidade e solidariedade
Tempo é importante para se formar um bom conjunto, assim como a qualidade dos atletas
Tostão/Folha de S. Paulo

 

Pela qualidade dos elencos, não deve haver muitas novidades no desempenho e nos resultados da maioria das equipes brasileiras em relação aos últimos anos. As maiores dúvidas, especialmente no Brasileirão, são o desempenho dos grandes clubes que retornaram à Primeira Divisão (Cruzeiro, Grêmio, Vasco e Bahia). Todos contrataram muitos jogadores, alguns que já foram bem em fortes equipes da Série A.

Certamente, durante um bom período, escutaremos que falta entrosamento. O tempo é importante para se formar um bom conjunto, porém, mais importante ainda são a qualidade dos atletas e a escalação de jogadores que se completam nos estilos.

Suárez é um jogador especial, um dos grandes centroavantes do mundo nos últimos tempos, mas é cedo para dizer que ele será um sucesso no Brasil, após fazer três gols na estreia pelo Grêmio, contra um frágil adversário.

Suárez é muito mais que um artilheiro. Embora em declínio técnico, ainda é um craque, pelos movimentos, pela lucidez coletiva e pelos passes que dá para gols. No Barcelona, entre Messi Neymar, foi o farol que iluminava a passagem dos dois.

Assim, foi também em muitos clubes e na seleção uruguaia. No PSG, com três supercraques (Neymar, Messi e Mbappé), falta um centroavante no estilo de Suárez.

No Grêmio, Renato, com suas deliciosas brincadeiras, disse que, se tivesse jogado com Neymar e Messi, teria feito mais gols que Suárez. Poderia até fazer, mas não seria um grande facilitador para os dois.

Pelé e Coutinho foi a melhor dupla que vi atuar, pois se completavam em campo. Coutinho era referência para o Rei. Os dois combinavam as jogadas pelo olhar, pelo movimento do corpo, pela respiração e pelos batimentos cardíacos.

Benzema e Vinícius Júnior formam outra sensacional dupla, pela complementação de estilos. É a união do drible, da velocidade e da habilidade com a técnica e a lucidez coletiva. Faltou à seleção brasileira um Benzema. O melhor momento de Cristiano Ronaldo foi no Real, com a ajuda de Benzema.

Repito, pela milésima vez, pois pode ter alguém que ainda não leu, que, na primeira ocasião em que treinei ao lado de Dirceu Lopes, no Cruzeiro, em 1964, ambos com 17 anos, parecia que já jogávamos juntos há mil anos, pois nos completávamos em nossas características. Um pensava o pensamento do outro.

Argentina, na Copa do Mundo, depois da derrota no primeiro jogo, formou um novo meio-campo, com Enzo Fernández pelo centro, De Paul pela direita e Mac Allister pela esquerda. O treinador Scaloni mudou várias vezes a estratégia e a escalação, mas sempre manteve os três juntos. Os três e Messi se completavam.

No Fluminense, Ganso e André se completam no meio-campo. Mesmo marcados e em pequenos espaços, trocam passes curtos, sem perder a bola, e avançam com a colaboração dos companheiros.

Ganso, quando surgiu no futebol, brilhou intensamente, mas, logo depois, se apagou, porque parecia um ET, em uma época em que o meio-campo era dividido entre os volantes que marcavam e os meias que atacavam. Ganso era estranho em sua maneira de jogar. Os tempos têm mudado, e ele, com a ajuda dos companheiros e do técnico Fernando Diniz, volta a brilhar, do mesmo jeito que jogava.

O jogo de futebol não quer ensinar, mas ensina que, para se formar uma grande equipe, além da associação de talentos, de estilos que completam, de desejos e de estratégias, é preciso ter também generosidade e solidariedade.

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