O violento consenso
das commodities
Modelo agrário-exportador promete riqueza
nova, mas expande-se através de fome, precarização e desmatamento. Em nome das cadeias globais de
valor, dizimam-se povos como os yanomamis e mantém-se lógica hostil à natureza
e ao trabalho
Márcio
Pochmann/OutrasPalavras
O genocídio de yanomamis recentemente revelado ao grande público se encontra associado ao consenso das commodities que tomou conta das elites dirigentes no Brasil concomitante com o colapso da sociedade industrial. O consenso das commodities caracteriza o período econômico, social e político aberto desde o ingresso subordinado na globalização que rebaixou a condição periférica do Brasil na Divisão Internacional do Trabalho.
Para que fosse possível a formação de maioria política interna, o realinhamento passivo junto ao movimento do deslocamento do centro dinâmico do Ocidente para o Oriente se mostrou fundamental (M. Svampa, Consenso de los commodities y megaminería, 2012; G. Arrighi, Adam Smith em Pequim, 2008). Com isso, o esvaziamento da industrialização nacional deu lugar ao inchamento do setor terciário simultaneamente ao fortalecimento do modelo primário-exportador que se tornou o elo principal da conexão periférica com o novo centro dinâmico global.
Pelo consenso das commodities, o andar de cima da sociedade se preservou diante do sentido geral da decadência nacional a dominar a maior parte dos brasileiros. Enquanto o rentismo valoriza o estoque da riqueza velha pela financeirização, o modelo primário-exportador potencializa a geração de riqueza nova associada ao rebaixamento do custo do trabalho e ao extrativismo sem limites do abuso dos recursos naturais minerais e vegetais.
Assim, a integração do Brasil nas cadeias globais de valor se especializou em mercadorias de diminuto valor agregado, o que favoreceu as corporações transnacionais que contaram, inclusive, com medidas governamentais redutoras dos direitos laborais, conforme confirmam as reformas trabalhista de Temer e previdenciária de Bolsonaro. Para a classe trabalhadora, a desvalorização e sofrimento resultaram da perda do horizonte do emprego assalariado formal mediante à prevalência das ocupações gerais, incapazes de gerar identidade e pertencimento coletivo, bem como a perspectiva de mobilidade social ascendente.
No âmbito espacial, uma espécie de retomada da fragmentação gerada por economias de enclaves se estabeleceu entre o interior com algum dinamismo econômico gerado por sua conexão e dependência do exterior e as áreas litorâneas submetidas ao desmonte das cadeias produtivas endógenas. Por conta disso, houve a remontagem de novas forças sociais que dominaram o cenário da política local, regional e nacional, consolidando nas próprias elites dirigentes a lógica da transferência de componentes da natureza e da produção e extração de matérias-primas ao exterior.
Visto como uma via rápida para o crescimento econômico, o consenso das commodities se fortaleceu pelos resultados concretos obtidos na lucratividade financeira gerada nos negócios com o comércio externo, sejam exportadores, sejam importadores. De todo o modo, a economia nacional está cada vez mais transformada em reflexiva do exterior, submetida à volatilidade da demanda, preços e nível das ocupações.
Em boa parte do
tempo, a trajetória ascendente dos preços formados nos mercados internacionais
de matérias-primas e bens de consumo consagrou o processo de reprimarização
econômica. Mediante aprofundamento do processo de trocas externas desiguais, a
soberania alimentar acentuou-se concomitante com a dependência da importação de
bens e serviços de maior valor agregado e conteúdo tecnológico.
Isso porque o
complexo extrativista se ampliou, contemplando um conjunto de atividades que
atende da mineração e combustível fóssil ao conjunto do agronegócio. A grande
escala dos empreendimentos envolvidos redefiniu a dimensão dos investimentos à
forma com que o país se encontra posicionado nas cadeias globais de
valor.
Em síntese, o
consenso das commodities reconstituiu internamente tanto a
ordem econômica como o sistema político de dominação. A gravidade disso para a
sociedade brasileira, especialmente para o andar de baixo, assenta-se na
desestruturação do mundo do trabalho, na insegurança alimentar e na enorme
parcela da população sobrante aos requisitos da raquítica acumulação de
capital.
Como não poderia
deixar de ser, a inflexão primário-exportadora tem sido acompanhada pela
expansão de conflitos, especialmente socioambientais. As lutas pela terra
mobilizam populações originárias e segmentos da agropecuária familiar, assim
como nas cidades as ações contrárias à superexploração do trabalho.
Em reação, os
ataques à democracia se sucedem, sobretudo quando governos progressistas buscam
implementar medidas de interesses populares. No campo político, o movimento de
continuidade e descontinuidade avançou sem que a ruptura plena com o
neoliberalismo tenha ainda sido possível ocorrer.
O
instigante mundo em que vivemos https://bit.ly/3Ye45TD
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