19 janeiro 2023

Vida sacrificada

Quanto custa ir a uma consulta do SUS?

Pesquisadores entrevistaram pessoas que precisam levar seus filhos a hospitais de referência no Rio e descobriram: transporte, alimentação e dia de trabalho perdido são custos às vezes impagáveis e provocam alto absenteísmo dos pacientes
Gabriela Leite/Outra Saúde

 

Para pensar em maneiras de ampliar o acesso à Saúde, em especial os atendimentos ambulatoriais, é preciso tentar entender também os motivos que afastam a população desses serviços. Um deles são as despesas geradas pela ida ao hospital para consultas – por causa da escassez de hospitais de referência de atenção terciária, muitos brasileiros são obrigados a viajar longas distâncias para alcançá-los. Como a população está muito empobrecida, o dinheiro gasto e o tempo perdido tornam às vezes o comparecimento impossível. O tema foi investigado por pesquisadores do Hospital Universitário Antônio Pedro da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE) do RJ. Fizeram um recorte dos atendimentos cirúrgicos de pacientes de até 14 anos – que necessitam do acompanhamento de responsáveis – no Hospital do Servidor do Rio, localizado no centro da cidade. Sua pesquisa gerou um artigo publicado na edição de janeiro da revista Cadernos de Saúde Pública, nova parceira editorial de Outra Saúde.

A relevância do tema se torna clara com um dos primeiros dados apresentados no artigo que sintetiza o estudo: apenas as despesas com transporte para uma consulta em cirurgia pediátrica custam em média 4,42% do salário mínimo – e 89,17% das famílias estudadas tinham renda mensal de até R$ 1.999. A pesquisa foi feita entre fevereiro e maio de 2022, quando o salário mínimo era R$ 1.212. A média de tempo de deslocamento encontrada no estudo foi de 217 minutos – muito embora 91,1% das pessoas entrevistadas morassem dentro da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. E há outro fator que mostra como a mobilidade urbana é um problema central no acesso dos pacientes à saúde: os pacientes que moram a uma distância entre 21 e 50 km do hospital levam tempo semelhante àqueles cuja distância é de 51 a 100 km. “Atribuímos essa particularidade às condições de tráfego e transporte público no Rio de Janeiro”, expõe o artigo. E 86,1% das pessoas entrevistadas fazem seu trajeto de transporte público…

Mas os gastos não são feitos apenas com o transporte para levar as crianças à consulta. Devido ao longo período gasto com o deslocamento, para 87% há ainda a necessidade de alimentação – muitas vezes não só para o filho que vai se tratar, mas também para os irmãos que precisam ir junto, pois não há quem cuidar deles no período. Para muitas famílias (39,6%), há um agravante: o não recebimento de pagamento por faltar ao trabalho no dia em que precisam levar os filhos ao hospital. “Oitenta (39,6%) responsáveis referiram perda do pagamento do dia de trabalho, 43 (21,29%) perda de ganho salarial em trabalho autônomo e 37 (18,32%) perda de pagamento do dia de trabalho contratado”, descreve o artigo. Quando a doença do filho é grave, o peso cai sobre as mães: 9,33% delas abrem mão de exercer atividade remunerada regular para cuidar das necessidades médicas dos filhos.

As dificuldades expressas nas entrevistas com famílias no Hospital do Servidor do Rio indicam os motivos pelos quais algumas crianças ficam sem atendimento. “A frequência de absenteísmo em consultas ambulatoriais é diretamente proporcional ao custo de transporte”, explica o estudo, com base em pesquisa europeia. A alta taxa de não comparecimento é ainda um problema para as unidades ambulatoriais. Os pesquisadores continuam: “Muitos fizeram comentários espontâneos com relação às dificuldades em obter e seguir o tratamento correto para seus filhos, causadas por determinantes sociais que poderiam ser mitigados com a disponibilização de mecanismos de assistência”.

Uma saída comumente apresentada para minimizar o problema do trajeto até o hospital é a da telemedicina. Mas os pesquisadores questionam essa solução: “Há dificuldades, e a proporção dos atendimentos que poderiam ser resolvidos por esse método é variável. Teleconsultas não são adequadas quando o exame físico ou alguma forma de intervenção ou uso de equipamentos são elementos essenciais na consulta”. Eles apresentam o dado de que apenas 1/3 das consultas presenciais em cirurgia pediátrica poderiam ser substituídas por consultas a distância. 

A realidade é furta-cor https://bit.ly/3Ye45TD

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