06 fevereiro 2023

Carnaval

FESTEJAR É VIVER

A festa pode ser o espaço-tempo da tradição, diversão, comunicação, fruição, mas também da criação
Débora Nascimento/Revista Continente



“And what costume shall the poor girl wear
To all tomorrow’s parties"
(Lou Reed)

O que espanta a miséria é festa”
(Beto sem Braço)

Em fevereiro de 2020os brasileiros brincaram mais um Carnaval como tradicionalmente fazem: como se não houvesse amanhã e dando folga a todas as suas preocupações e a seus problemas – um desses, àquela altura, não nos era conhecido, mas se apresentaria logo em seguida. Poucos dias depois, a mesma população que havia festejado corpo a corpo a folia de Momo, foi alertada, pelas autoridades, que agora precisava fazer exatamente o oposto daqueles dias efusivos, deveria isolar-se o máximo possível, inclusive de amigos e familiares. Chegava, portanto, a nós a pandemia do novo coronavírus. E, aos poucos, descobrimos que esse afastamento atingiria em cheio não somente nosso cotidiano, mas também algo intrínseco à identidade brasileira, a sua alma festiva.

Com os meses passando a conta-gotas, a população sem vacina e a pandemia se tornando mais perigosa, foram encontradas, na área da cultura, soluções como a realização de shows, encontros e festas de forma online, as famigeradas lives, em que a única interação possível era através das telas do computador ou do celular. Depois da supressão de eventos esportivos e artísticos no mundo inteiro, não demorou muito a chegarem as notícias mais impensáveis para a cultura nacional: o cancelamento das festas juninas e da maior festa popular do país. Desde que o Carnaval começou a ser realizado no Brasil, entre os séculos XVI e XVII, nunca havia deixado de ocorrer no período que antecede a Quaresma, seja em fevereiro ou março.

As duas tentativas oficiais anteriores de, pelo menos, adiar a festa fracassaram: em 1892 e 1912. Na primeira, a justificativa era também sanitária. Por conta de diversas doenças que assolavam o país, como a febre-amarela, o evento foi transferido para junho, para evitar aglomerações e contaminações sob o propício calor do verão. Mas a população acabou festejando em dose dupla. Na segunda investida governamental, o motivo era a morte do Barão do Rio Branco, ministro do Exterior e figura relevante na política brasileira. Houve a transferência para abril. A população, no entanto, carnavalizou duas vezes. Irreverente, o folião criou até uma marchinha que comemorava a brecha de oportunidade: “O barão morreu/ Teremos dois carnavá/ Ai que bom, ai que gostoso/ Se morresse o marechá”, em referência ao marechal Hermes da Fonseca.

E nem nas duas guerras mundiais, mesmo sob pressão do governo, o brasileiro abdicou de brincar o seu carnaval. Já a festa de 1919, após a Primeira Guerra e o final da pandemia da gripe espanhola que matou 35 mil pessoas no Brasil, foi considerada como a maior comemoração de rua já vista na primeira metade do século XX no país. Em crônica de 1967, Nelson Rodrigues descreveu esse evento que marcou sua infância e demarcou uma transformação cultural: “O Rio machadiano estava entre os finados. Uma outra cidade ia nascer. Logo depois explodiu o Carnaval. A pandemia passou e, no Brasil, o Carnaval de 1919 representou um desafogo e a euforia geral tomou conta da população. E foi um desabamento de usos, costumes, valores, pudores”.

No final da década de 1920, o Conselho Municipal do Rio de Janeiro sugeriu a extinção da festa. A resposta do caricaturista J.Carlos na revista O Malho foi o termômetro da reação popular: “Acabar com o Carnaval? Cuidado, conselheiros. Por muito menos fizeram a Revolução Francesa”.

O mosaico da vida que segue https://bit.ly/3Ye45TD

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