Causas da desindustrialização
Cerca de 60%
da desindustrialização se deve à distância da indústria em relação à fronteira
tecnológica e 40% à sobrevalorização cambial, segundo José Luis Oreiro
Blog Cidadania & Cultura
José Luis Oreiro é professor associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília. Compartilho seu artigo abaixo sobre importante tema. Defende cerca de 60% da desindustrialização se deve à distância da indústria em relação à fronteira tecnológica.
“Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 30 de outubro de
2022 o debate sobre o processo de desindustrialização da economia
brasileira foi finalmente desinterditado. Após anos a fio de
discussões jurássicas sobre o sacrossanto “Teto de Gastos”, o novo governo
aparenta estar disposto a retomar a agenda de
desenvolvimento econômico e encarar de frente o fato, hoje
indiscutível, de que o Brasil vivenciou, no período 1991- 2019, conforme tabela
acima, o mais intenso processo de desindustrialização no mundo,
maior inclusive do que a verificada pela economia da Argentina.
Os dados apresentados na tabela nos permitem tirar algumas conclusões.
A primeira é que a desindustrialização, embora
seja um fenômeno comum aos países da amostra, não é algo inevitável. Com
efeito, a participação da indústria do Produto Interno Bruto da Coreia do Sul
manteve-se estável no período analisado, ao passo que países de renda alta como
a Dinamarca e a Suíça apresentaram uma pequena queda da participação da
indústria no PIB.
Em segundo lugar, as grandes economias da América
do Sul não só passaram por um processo de desindustrialização mais intenso do
que o observado nos países europeus, como ainda reduziram a sua participação da
indústria no PIB a um patamar inferior ao verificado nos países da Europa e do
Leste Asiático, os quais têm uma renda per capita muito mais alta do
que as economias da América do Sul.
Em suma, a desindustrialização da América do Sul é um
fenômeno diferente da desindustrialização observada nos países de renda alta.
Para que possamos entender a natureza da diferença entre os dois
processos, temos inicialmente que entender que o
desenvolvimento econômico é o resultado de mudança estrutural, ou
seja, da transferência de mão de obra dos setores com menor valor adicionado
per capita para os setores de maior valor adicionado per capita. Trata-se do
que é denominado de “sofisticação produtiva” na
literatura novo-desenvolvimentista ou “complexidade econômica” por César
Hidalgo e Ricardo Hausmann.
Nos estágios iniciais do processo de desenvolvimento econômico, aquilo
que Rostow (1961) denominou de “decolagem”, ocorre
uma grande transferência de mão de obra da agricultura para a indústria. É
a fase da “Revolução Industrial” na qual a
participação da indústria de transformação no PIB e no emprego aumentam de
forma contínua, proporcionando uma “aceleração do crescimento” do PIB per
capita. Todos os países de renda alta passaram, em algum momento, por esse
processo.
A partir de certo nível de renda per-capita, contudo, ocorre uma
diversificação crescente da demanda de consumo das famílias, as quais passam a
demandar uma quantidade cada vez maior de serviços, muitos dos quais são direta
ou indiretamente ligados a indústria.
Nesse contexto, a participação da indústria de transformação no PIB e no
emprego irá começar um processo de declínio “natural”, o
qual pode ser retardado por “políticas neo- mercantilistas” que visem ampliar as exportações de produtos manufaturados para compensar a
queda relativa da demanda doméstica.
Essas políticas parecem ter sido bem-sucedidas nos casos da Dinamarca e
Suíça, países de renda alta da Europa que tiveram uma redução modesta ou pequena da participação da indústria de
transformação no PIB.
Esse não foi o caso dos países da América do Sul, notadamente
o Brasil, os quais se desindustrializaram antes de
se tornarem países de renda alta. Trata-se daquilo que o economista
Dani Rodrik denominou de desindustrialização prematura.
Ao contrário da desindustrialização natural, fenômeno
associado à mudança na composição da demanda de consumo nos países de renda
alta, a desindustrialização precoce está associada com a adoção de políticas econômicas neoliberais
associadas ao consenso de Washington a partir da década de 1990.
Com efeito, as economias da América do Sul adotaram políticas de liberalização comercial e financeira a partir dos
anos 1990 com 1. a redução generalizada das alíquotas de
importação, 2. abertura da conta de capitais do balanço de pagamentos, 3.
sobrevalorização cambial como instrumento básico de controle da inflação, 4.
redução da participação do Estado na economia por intermédio da privatização de
empresas estatais e 5. redução do financiamento estatal para o investimento em
infraestrutura e atualização tecnológica do parque industrial.
No caso brasileiro, Oreiro, D’Agostini e Gala (2020)1 avaliam os determinantes da redução da participação da indústria de
transformação no PIB para o período 1998-2017. A partir de um modelo
econométrico no qual a participação da indústria de transformação no PIB está
determinada pela competitividade preço (taxa real de câmbio) e competitividade
extra preço (hiato tecnológico), os autores mostram:
1. cerca de 40% da
desindustrialização verificada na economia brasileira deve-se a
sobrevalorização da taxa de câmbio e
2. 60% devem-se ao
aumento da distância da indústria brasileira com respeito a fronteira
tecnológica.
1. Oreiro J.L., Manarin D’Agostini L.L., Gala P.
(2020),” Deindustrialization, economic complexity and exchange rate
overvaluation: the case of Brazil (1998-2017)”, PSL Quarterly Review, 73
(295):313- 341
O imposto de exportação de
óleo cru reduz preços dos combustíveis para a população https://bit.ly/3lcffcT
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