22 março 2023

Idosos

Melhorar as condições de vida dos idosos

Raro é aquele que se aposenta e não me apresenta uma ideia para poder sair desse afastamento social. Em geral, baseado na sua história de vida e sabendo que a possibilidade de ser implementada é muito reduzida
Abraham B. Sicsú/Vermelho www.vermelho.org.br

 

“Velha é a roupa, gente amadurece”, dizia avó Paulina. Cresci acreditando que a experiência de vida era importante e reconhecida. Que escutar os idosos fazia parte de nossa sociedade. Hoje, ponho em dúvida.

Sei que há diferentes perfis de aposentados, inclusive, a grande maioria correndo ainda para poder sobreviver. Neste ensaio ouso falar daqueles de classe média que tiveram uma vida produtiva, que amealharam alguns recursos e que, ao se aposentar, acreditam que poderão entrar no Éden. Tudo que não fez na vida fará, tudo que puder aproveitar terá o direito.

Infelizmente, não é o que ocorre na maioria das vezes. O ócio e o esquecimento aparecem. Esta dura constatação faz-se verdade, pelo menos para as situações atuais do Brasil. Falo com experiência pois tive duas aposentadorias.

A primeira, logo ao completar sessenta anos, me deu a sensação de liberdade. Três ou quatro meses em que realizei tudo o que queria. Li os livros selecionados e bem organizados por meu filho, fiz algumas viagens, ignorei o mundo. Mas isso acaba e a realidade se impôs. Certo vazio, uma falta de objetivos e de motivações, o acordar sem ter rumos para a jornada diária.

Duas alternativas surgiam: o álcool como caminho diuturno para o ostracismo e espera do fim e a busca de uma atividade que me pusesse em situação de produtividade.

Optando pela segunda, seguindo a tendência e o sonho vendido para todos os profissionais que se retiram do mercado formal de trabalho, entro como sócio em uma empresa de consultoria. Afinal, acredita-se ser o empreendedorismo o caminho natural e viável para todos os aposentados de classe média. Mais uma mentira.

Não perdi recursos mas foi um engano. Mercado altamente competitivo, em que aprender “capoeira” é fundamental, saber cair e dar rasteiras faz parte da lógica do setor. Uma coisa é participar de um projeto como consultor fazendo um trabalho técnico quase como se fosse acadêmico, outra é participar como empresário do setor. Saber vender horas e horas de negociação, mil articulações, participar de eventos apenas para marcar presença.

Não era para mim. Um desgaste, além do suportável. Felizmente, surgiu oportunidade para voltar ao trabalho na gestão pública. Abandono a aposentadoria. Retorno à rotina do funcionário, o levantar cedo, o expediente de oito horas, o aproveitar dos feriados prolongados e das férias merecidas.

Chega o dia da segunda aposentadoria. Podia ser postergada um pouco, mas acreditei que seria melhor enfrentar. E evitar os erros da primeira.

Nada de empresa, nada de volta ao trabalho. Tinha que me definir melhor. Achar uma atividade que me satisfizesse. E isso que procurei.

Tentei definir uma rotina para não cair no vazio anterior. Caminhadas e yoga como exercícios físicos e da mente. Muita leitura. Grupo de estudo para não me desatualizar demais. Algumas pouquíssimas aulas e participações em bancas universitárias, sempre que chamado.

Uma nova atividade, escrita de crônicas semanais, para perturbar os poucos amigos que ainda me restam. Por fim, a tertúlia de sábado relembrando tempos áureos. Encontrar os amigos faz-se necessário.

Lembrei de um texto. Em interessante artigo de Paulo Gustavo, na Revista Será, uma frase de Tzevetan Todorov não me sai da cabeça: “O drama da velhice não é precisar dos outros, mas reconhecer que os outros não precisam de você.” 

Exatamente, isso que se observa. Pouco a pouco fica nítido que somos dispensáveis, os poucos chamamentos vão rareando, os amigos e pessoas queridas se afastando pelas suas necessidades naturais de uma vida turbulenta e, o pior, a experiência acumulada ignorada e jamais ouvida.

Situações em que se tem a certeza de que podemos dar uma efetiva contribuição, nem somos lembrados. Vejam bem, a questão não é financeira, a satisfação estaria em dar um retorno para a sociedade e realmente se sentir útil e produtivo.

Ao personificar este relato, acredito que é algo que ocorre com muitos daqueles que tenho tido o prazer de conhecer. Raro é aquele que se aposenta e não me apresenta uma ideia para poder sair desse afastamento social. Em geral, baseado na sua história de vida e sabendo que a possibilidade de ser implementada é muito reduzida. Parte-se para soluções individualizadas. Quase sempre ignoradas.

Em moda, hoje em dia, está o dito voluntariado social. Fazer ações de apoio aos outros sempre é bom, sempre traz um ganho social. O que incomoda é como a sociedade tem visto essas ações. Não há o respeito a senioridade de quem o faz, apenas uma maneira de preenchimento de tempo para satisfazer ao idoso. Reverte-se a situação. Não é o velho que está contribuindo, é a instituição que lhe dá um espaço para que possa diminuir o seu tempo “inútil”. Um desrespeito, no meu modo de ver.

Acredito que outros países tratam a questão com muito mais dignidade. Citarei apenas um como exemplo.

Anos atrás, participei de um projeto com a Cooperação Alemã, por uns cinco anos. Nesse projeto o lado germânico utilizava o serviço de uma agência, se não me engano Senior Experten Service-SES era seu nome. Todo aposentado alemão que quisesse podia se escrever nela. Apresentando atividades e áreas em que considerava possível dar uma contribuição. Nas quais tivesse trabalhado ou não. E a SES procurava espaços no país e no exterior para alocá-los.

Recebemos no projeto alguns desses especialistas. Lembro de dois marceneiros que ajudaram a organizar uma Cooperativa de Móveis em Caruaru com ótimos resultados. E de um ex-diretor de banco em Dusseldorf que me orientou no planejamento estratégico das ações de inovação. Experiência maravilhosa que poderia, facilmente, ser replicada em nosso país.

É importante aumentar em muito os esforços para melhorar as condições de vida dos idosos no Brasil. Dando dignidade e condições materiais para os mais necessitados.

Mas, também é fundamental não desperdiçar e menosprezar a parcela dessa população que tem muita energia vital e disposição para dar uma real contribuição para o Brasil e suas instituições. Desprezá-los e deixá-los no ostracismo só faz aumentar os gastos em saúde, entre outros, além de jogar fora toda uma riqueza de conhecimento acumulada. Lembrem de minha avó.

Araruta tem seu dia de mingau https://bit.ly/3Ye45TD

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