03 abril 2023

Memória da resistência

LEMBRANÇAS E BANDEIRAS

Marcelo Mário de Melo* 
 
Os estudantes de direito carregando a bandeira de Demócrito de Souza Filho, nas passeatas, e a levantando, frente aos pelotões da polícia do governo de Cid Sampaio e das tropas do Exército, quando foram expulsos a coronhadas da Faculdade, por ordem do presidente Jânio Quadros, em 1961, durante o movimento nacional que reivindicava a representação estudantil de 1/3 nos conselhos universitários. 
 
A bandeira brasileira ensanguentada, ao som do hino nacional, ante os corpos fuzilados dos estudantes Jonas e Ivan, em 1º e abril de 1964, no Recife. 
 
No dia do golpe, quando os militares quiseram fazer com o governador Miguel Arraes uma negociata política em troca da sua liberdade, ele lhes respondeu que tinha sido eleito pelo povo e não reconhecia neles autoridade para lhes dar ordens de governo. Que tinha nove filhos e, um dia, queria poder lhes contar essa história olhando nos olhos. Os militares o levaram para a prisão em Fernando de Noronha. 
 
Quando o Coronel Ibiapina, em 1964, disse na porta da cela do menino David Capistrano Filho, com 16 anos, que a culpa da sua situação era do seu pai, um comunista irresponsável, teve a resposta de que o seu pai era um homem sério e honesto, e ele é que era um golpista. 
 
O coronel mandou retirar o colchão de David e o transferiu para o juizado de menores, onde passou três meses, preso entre meninos infratores. 
 
Naquele momento histórico, um homem maduro, governador de estado, pai de nove filhos, e um menino, estudante de colégio, foram fieis às bandeiras do povo, mostrando que coerência não tem idade. E também que as bandeiras podem e devem passar de pai para filho, de avô para neto. 
 
As conjunturas mudam e há necessidade de se atualizarem estratégias, táticas e formas de luta no processo de mobilização por liberdade, democracia e mudança social. 
 
Mas é fundamental que isto ocorra sob a base de uma linha de coerência e continuidade histórica em matéria de campos e objetivos centrais. Acima e além dos interesses de facções e da promoção de grupos ou personalidades. 
 
A ampliação dos espaços para as camadas populares, nos dispositivos legais, nas políticas públicas e nas representações políticas formais e informais deve fundamentar o critério de avaliação. Aí está a substância da simbologia das bandeiras. 
 
AOS QUE CUIDAM DE BANDEIRAS
Marcelo Mário de Melo
[Em memória de Miguel Arraes] 
 
Há aqueles que levantam uma bandeira
e prosseguem. 
 
Aqueles que afrouxam as mãos
e abandonam as bandeiras no caminho. 
 
Aqueles que rasgam queimam
renegam bandeiras e se recolhem. 
 
Aqueles que se bandeiam
e passam a defender
bandeiras contrárias. 
 
Aqueles que refletem
e escolhem bandeiras melhores. 
 
Aqueles que encerram as bandeiras
em gavetas vitrines e altares. 
 
Aqueles que colocam as bandeiras a venda. 
 
É triste ver bandeiras abandonadas
vendidas ou sacralizadas no céu distante. 
 
As bandeiras não são entidades
para comércio adoração e arquivo 
 
Expostas ao vento e ao tempo
as bandeiras são coisas simples da vida
que exigem cuidado:
como uma casa
uma roupa
um filho
uma flor. 
 
POEMA II
Albérgio Maia de Farias 
 
Por onde o Galo, hoje, passa
passaram galos de briga
cocorocando outros frevos
nas Sertãs da avenida
eram cantigas do peito
que queriam o bem da vida
um amor quase perfeito
que suava o corpo todo
de sonho, alegria e medo
Era porrada na cara
do Trianon à Pracinha
eram fuzis eram balas
não conseguiram ser minhas
nem conseguiram calar
o frevo de nossas falas. 
 
Hoje, quando o Galo passa
sou tentado a compreender
que o sonho adolescente
continuou a ferver
nos clarins de outra memória
no frevo canção da História,
embora as graves lembranças
impossíveis de esquecer. 
 
[Albergio é advogado, poeta, aposentado do Banco do Brasil. Integrava os quadros dos comunistas secundaristas do PCB. Tinha menos de 18 anos e esteve preso junto a Davizinho Capistrano, o poeta Ângelo Monteiro, Paulo Freire e outros]
 
*Jornalista, poeta
Transpor obstáculos, sempre https://bit.ly/3Ye45TD

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