Memória da resistência
LEMBRANÇAS E BANDEIRAS
Marcelo Mário de Melo*
Os estudantes de direito carregando a bandeira de Demócrito de Souza
Filho, nas passeatas, e a levantando, frente aos pelotões da polícia do governo
de Cid Sampaio e das tropas do Exército, quando foram expulsos a coronhadas da
Faculdade, por ordem do presidente Jânio Quadros, em 1961, durante o movimento
nacional que reivindicava a representação estudantil de 1/3 nos conselhos
universitários.
A bandeira brasileira ensanguentada, ao som do hino nacional, ante os
corpos fuzilados dos estudantes Jonas e Ivan, em 1º e abril de 1964, no
Recife.
No dia do golpe, quando os militares quiseram fazer com o governador
Miguel Arraes uma negociata política em troca da sua liberdade, ele lhes
respondeu que tinha sido eleito pelo povo e não reconhecia neles autoridade
para lhes dar ordens de governo. Que tinha nove filhos e, um dia, queria poder
lhes contar essa história olhando nos olhos. Os militares o levaram para a
prisão em Fernando de Noronha.
Quando o Coronel Ibiapina, em 1964, disse na porta da cela do menino
David Capistrano Filho, com 16 anos, que a culpa da sua situação era do seu
pai, um comunista irresponsável, teve a resposta de que o seu pai era um homem
sério e honesto, e ele é que era um golpista.
O coronel mandou retirar o colchão de David e o transferiu para o
juizado de menores, onde passou três meses, preso entre meninos
infratores.
Naquele momento histórico, um homem maduro, governador de estado, pai de
nove filhos, e um menino, estudante de colégio, foram fieis às bandeiras do
povo, mostrando que coerência não tem idade. E também que as bandeiras podem e
devem passar de pai para filho, de avô para neto.
As conjunturas mudam e há necessidade de se atualizarem estratégias,
táticas e formas de luta no processo de mobilização por liberdade, democracia e
mudança social.
Mas é fundamental que isto ocorra sob a base de uma linha de coerência e
continuidade histórica em matéria de campos e objetivos centrais. Acima e além
dos interesses de facções e da promoção de grupos ou personalidades.
A ampliação dos espaços para as camadas populares, nos dispositivos
legais, nas políticas públicas e nas representações políticas formais e
informais deve fundamentar o critério de avaliação. Aí está a substância da
simbologia das bandeiras.
AOS QUE CUIDAM DE BANDEIRAS
Marcelo Mário de Melo
[Em memória de Miguel Arraes]
Há aqueles que levantam uma bandeira
e prosseguem.
Aqueles que afrouxam as mãos
e abandonam as bandeiras no caminho.
Aqueles que rasgam queimam
renegam bandeiras e se recolhem.
Aqueles que se bandeiam
e passam a defender
bandeiras contrárias.
Aqueles que refletem
e escolhem bandeiras melhores.
Aqueles que encerram as bandeiras
em gavetas vitrines e altares.
Aqueles que colocam as bandeiras a venda.
É triste ver bandeiras abandonadas
vendidas ou sacralizadas no céu distante.
As bandeiras não são entidades
para comércio adoração e arquivo
Expostas ao vento e ao tempo
as bandeiras são coisas simples da vida
que exigem cuidado:
como uma casa
uma roupa
um filho
uma flor.
POEMA II
Albérgio Maia de Farias
Por onde o Galo, hoje, passa
passaram galos de briga
cocorocando outros frevos
nas Sertãs da avenida
eram cantigas do peito
que queriam o bem da vida
um amor quase perfeito
que suava o corpo todo
de sonho, alegria e medo
Era porrada na cara
do Trianon à Pracinha
eram fuzis eram balas
não conseguiram ser minhas
nem conseguiram calar
o frevo de nossas falas.
Hoje, quando o Galo passa
sou tentado a compreender
que o sonho adolescente
continuou a ferver
nos clarins de outra memória
no frevo canção da História,
embora as graves lembranças
impossíveis de esquecer.
[Albergio é advogado, poeta, aposentado do Banco do Brasil. Integrava os
quadros dos comunistas secundaristas do PCB. Tinha menos de 18 anos e esteve
preso junto a Davizinho Capistrano, o poeta Ângelo Monteiro, Paulo Freire e
outros]
*Jornalista, poetaTranspor
obstáculos, sempre https://bit.ly/3Ye45TD
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