27 abril 2023

Resistência retrógrada

Antagonismo a uma pauta desenvolvimentista
Quer-se uma luta constante e o emperramento da máquina pública, evitando que se avance para o desenvolvimento, para a redução de desigualdades e para a justiça social.
Abraham B. Sicsú/Vermelho www.vermelho.org.br

 

Férias é tempo bom. Mesmo no mundo das redes sociais e da internet, procura-se isolar e não observar o que vem ocorrendo. Evidentemente, não é fácil, em época de barbárie, com atos desumanos, com dados preocupantes, as notícias chegam e nos entristecem. Procurei me isolar o mais possível.

A volta, também, é complicada. Inteirar-se do que aconteceu, os problemas escancarados, o desnudar de uma sociedade que todos dizem polarizada. Acredito que a palavra não é bem usada. Mais, que polarizada, são visões antagônicas e rivais, mais, visões de adversários que se odeiam e jamais se respeitam.

Não se conseguiu amenizar o clima eleitoral, muito do que vem ocorrendo é concretização desse clima de guerra. Basta ver o embate na Lei das Fake News em que parlamentares querem imunidade para continuar disseminando notícias inverídicas. Penas apenas para cidadãos comuns. Para eles alegam liberdade de expressão. Bom seria que se comprometessem com espírito público e o obrigatório compromisso com a verdade.

Dois projetos de País. Num, a base é a busca do desenvolvimento econômico que permitiria uma melhor inserção social. Noutro, o desejo ardente de que nada dê certo, em que se mantenham as coisas como eram, sem permitir mudanças estruturais, mudanças que mecham com privilégios estabelecidos, que afetem o status quo de parcela da população favorecida são mal vistas.

É verdade que se está dando declarações demais, às vezes, o improviso causando confusões desnecessárias. Mesmo nosso Presidente gosta de falar bastante. Em geral concordo com ele, mas, para que, por exemplo, as declarações que fez sobre a Guerra da Ucrânia? A cada nova declaração no Exterior precisa se justificar que não era bem aquilo que foi entendido.

Devo ressaltar que com isso não quero que para de se expressar. Ao contrário. Algumas de suas afirmações, pouco ajudam e dão munição para a oposição se esbaldar em críticas quase sempre inconsistentes. No entanto, mesmo com esses pontos duvidosos, importante que continue se expondo e dando esperanças àqueles que vêm nele a concretização de um projeto de um novo Brasil. Acabo de ver seu discurso na Espanha e concordo com seus pontos de vista e sua visão estratégica.

Início de governo e arrumação da casa é a ênfase. Mais que normal, tendo passado menos de quatro meses, após quatro anos desastrosos. Mas, as cobranças de resultados que modifiquem, como num passe de mágica, a realidade e façam com que apareçam concretamente todas as promessas de campanha, é constante. Absurdo pelo tempo transcorrido, uma estratégia apenas de desmoralização, de intimidação. Conseguir começar a reverter as tendências dos programas sociais, entre outras, na área de saúde, habitação, educação, ciência e tecnologia, agricultura familiar, desigualdades sociais e pobrezas, já é uma luz importantíssima que aponta para outro perfil de nossa sociedade.

A Economia é ponto fulcral. Permitam-me que neste texto faça algumas observações sobre ela. Nada acontece sem ela ajustada. Três pontos me parecem importantes.

Foi apresentado um programa de ajuste fiscal. Estão chamando de arcabouço fiscal. Consistente, com limites claros e metas bem definidas. Há pontos a discutir, como a definição das excepcionalidades que podem ser questionadas. Mas, impossível não reconhecer que educação, ciência e tecnologia, saúde, devem ser prioritários e devem estar fora dos controles rígidos. Também, importante diminuir ao máximo a evasão fiscal e apresentar um plano nessa direção. Isenções e desonerações que não se justificam trazendo impactos significativos no emprego e na geração de renda devem ser abolidas. O instrumento apresentado é consistente e bem claro.

Tendo sido bem aceito pela maioria, surge uma nova tendência. O Presidente do Banco Central, aquele que insistentemente vem defendendo a mais alta taxa básica de juros do mundo, em seu indisfarçável viés monetarista e neoclássico, diz numa sabatina no Congresso, que é bom, mas melhor seria diminuir as despesas. A visão de que o gasto de governo sempre é perdulário e desnecessário. Justamente o contrario do que o projeto que ganhou as eleições propõe. Esperada a afirmação de quem na campanha presidencial declarou claramente suas opções ideológicas, só tumultua e gera discórdias. Um ponto claro de antagonismo e beligerância.

Uma das bases da política atual é a busca do desenvolvimento e de interação com os parceiros internacionais. Fala-se em uma moeda para as trocas no Mercosul e para as negociações com a China. O objetivo e sair do controle draconiano do padrão dólar, evitando que flutuações muito constantes e desvalorizações crescentes das moedas nacionais frente ao padrão americano limitem o processo de trocas entre países. Nada mais claro. Afinal, a Europa fez isso ao criar o Euro e permitiu uma expansão crescente e consistente do comércio naquele continente. Evidentemente, ajustes técnicos devem ser feitos e analisados.

O simples colocar em discussão a ideia criou um reboliço. Como ousamos querer ir contra os interesses americanos, como queremos enfrentar nosso aliado permanente? Bom lembrar que quando da visita de Lula aos Estados Unidos, aquele país prometeu apenas 50 milhões de dólares para o Fundo Amazônia. Irrisório e um desrespeito. Após as declarações dele na China, em que aventa a questão, passaram para 500 milhões. Coincidência ou repercussão? É bom que nós tenhamos a consciência da importância que temos no mercado internacional e não façamos atrelamento incondicional.

Um levantamento feito. Bilhões de isenções fiscais para segmentos que não tem trazido impactos significativos, advindos desses benefícios fiscais, na geração de emprego e renda. Uma tentativa de rever e diminuir esses privilégios que foram garantidos, muitas vezes pelo Congresso, atendendo a interesses corporativos apenas.

Uma chiadeira geral. “No Meu ninguém meche”. Como mudar a realidade fiscal e suas conseqüências sociais, se não tratarmos com seriedade e isonomia os diferentes setores econômicos, se não defendermos uma competição justa e equilibrada nos diferentes mercados de produtos. Os interesses corporativos atrapalham em muito a gestão econômica.

Ninguém é contra uma Comissão Parlamentar de Inquérito para verificar a barbárie de 8 de janeiro. Até porque se sabe quem incentivou e organizou a invasão. Se é contra que ela paralise a pauta econômica necessária, tão importante para a implantação de um novo e justo modelo de desenvolvimento.

O que leio nos jornais desse mês ausente dá a nítida impressão de que o desejado por parcela significativa das elites brasileiras é diferente. Quer-se uma luta constante e o emperramento da máquina pública, evitando que se avance para o desenvolvimento, para a redução de desigualdades e para a justiça social.

É preciso muita habilidade para driblar esse ambiente e conseguir avançar no que foi prometido. Isso é o que esperamos.

A luta política na base da sociedade https://bit.ly/3FZNuve

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