02 junho 2023

Aquecimento global

Testando limites no aquecimento global

A chance de a temperatura superar os limites anteriores é de 98% para ao menos um dos próximos cinco anos 
Carlos Bocuhy/Le Monde Diplomatique


Organização Meteorológica Mundial (OMM) acaba de informar, de forma didática, que a humanidade terá grande chance de experimentar o temido limite médio de mais 1,5 grau Celsius de aquecimento nos próximos cinco anos. Poderemos superar a média do ano mais quente, que foi 2016, quando a temperatura foi impulsionada pelo fenômeno El Niño.  
Petteri Taalas, secretário geral da OMM, afirma que “haverá grandes consequências para a saúde, segurança alimentar, gestão da água e meio ambiente”.  
A partir do segundo semestre de 2023 o El Niño estará de volta. A chance de a temperatura superar os limites anteriores é de 98% para ao menos um dos próximos cinco anos. A previsão é que o El Niño, ao aquecer as águas do Pacífico, causará maior índice de chuvas no Sahel africano e na África subsariana. De outro lado, reduzirá as chuvas na Amazônia e na Austrália. 
Em outras palavras, teremos uma Amazônia mais aquecida e com menos chuvas, terreno fértil para as queimadas. Em 2022, apesar do efeito atenuador do La Niña, a criminalidade que anda à solta desmatou e queimou uma área de 2,8 milhões de hectares de florestas na Amazônia.  
Se o El Niño representa maiores riscos para a Amazônia e o Pantanal, o aquecimento também se abaterá com maior intensidade sobre as áreas urbanas, gigantescas ilhas de calor com áreas de baixa pressão, atrativas para a intempestividade das chuvas. 
A progressão das alterações climáticas e dos consequentes riscos climáticos é evidente. Os movimentos sociais dos Estados Unidos criaram um termo para áreas de risco decorrentes da proximidade de comunidades com ambientes tóxicos, especialmente dos polos petroquímicos como o canal de Houston, Texas, assim como outras áreas em Illinois, na região dos Grandes Lagos, na Virgínia Ocidental e na Louisiana.  
Essas áreas são chamadas de Locally Unwanted Land Use (LULUs), algo como “uso da terra localmente indesejado”, que representa inadequação locacional entre ocupação humana e condições ambientais adversas. 
A ameaça à vida é o paralelo entre as áreas ambientalmente insalubres, com elevado risco em função da poluição, de instabilidade geológica ou inundações. Em que pese o conceito de LULUs ser mais notadamente aplicado aos riscos de contaminação química, refere-se a espaços territoriais que necessitam de atenção estatal para assegurar a justiça ambien tal, a retomada das funções sociais, para abrigar com segurança as populações instaladas.  
Algumas áreas com risco de deslizamento, com novas obras de contenção e drenagem, poderiam abrigar com segurança as populações, desde que nas avaliações geotécnicas não se considere apenas a série histórica da pluviometria. A métrica de referência histórica, no quesito de segurança, foi rasgada pela intempestividade da mudança do clima. Há de se pro por novas metodologias para avaliação de riscos, considerando-se o novo cenário da mudança climática.  
O conceito de locações indesejadas apontadas pelos norte-americanos também é tomado como áreas de sacrifício. É fácil compreender esse conceito: quando nada é feito para socorrer populações expostas ao risco e que acabam vitimadas por poluição ou eventos extremos.  
Com o advento das mudanças climáticas, a tipologia e o conceito das áreas de risco como zonas de sacrifício vêm ganhando maior amplitude, frente à crescente intempestividade climática. As frases de gestores públicos, em meio aos destroços das tragédias, declarando que “nunca choveu tanto assim antes”, já não convencem nem justificam tragédias anunciadas. A ciência c limática vem demonstrando, há muito, que choverá mais intensamente e de forma mais concentrada nessa nossa realidade do Antropoceno.     
A expectativa é que, definitivamente, o planeta ultrapasse o limite médio de 1,5 grau Celsius a partir de 2030. A humanidade, na coreografia dos países em busca da hegemonia geopolítica, apresenta esforços limitados e cosméticos nas sucessivas conferências climáticas. Apesar dos contínuos alertas da ciência, a humanidade continua no caminho de “matar o próprio lar”, tradução para ecocídio, que alguns autores registram como o genocídio para o século XXI. Se à primeira vista isso pode parecer exagero, basta acompanhar os esforços bem fundamentados de juristas e ativistas junto ao Tribunal Penal Internacional para que as diferentes formas de ecocídio sejam consideradas crime.  
O Dióxido de Carbono (CO2) lançado na atmosfera nos dias de hoje poderá continuar a produzir efeitos nocivos à vida por mil anos. Essa simples constatação deveria ser motivo suficiente para deixar o petróleo debaixo do oceano, seja na costa meridional da Amazônia, nas áreas de exploração do pré-sal, no Alasca ou na região do Golfo Pérsico. Argumentos de que essas “riquezas” irão financiar a transição para a sustentabilidade são fora de contexto e representam profunda má-fé.  
Já em 2012, o climatologista James Hansen afirmava que a exploração restante das reservas de petr& oacute;leo dos Estados Unidos e Canadá seriam um efeito “game over” para as mudanças climáticas. Vide a recente aprovação do atual Projeto Willow por Joe Biden, extração de petróleo que representará o lançamento de 278 milhões de toneladas de gases efeito estufa ao longo de trinta anos.  
O mundo continua nos caminhos da velha política energética de matriz fóssil. Dessa forma, não há como postergar ações protetivas, em vigorosa política de adaptação à mudança climática, com intervenções possíveis e necessárias, incluindo a desocupação das áreas de risco mais críticas.    
Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)
Nem todos os caminhos levam aonde se quer https://bit.ly/3Ye45TD

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