20 junho 2023

Economia digital

Economia digital como caminho para a reindustrialização do Brasil

Há um esforço para promover uma indústria global fortalecida pela economia digital, mas o Brasil está em desvantagem nesse cenário
Herbert Salles/Le Monde Diplomatique


Há anos, o Brasil enfrenta um processo de desindustrialização que se intensificou entre 2017 e 2022. Na década de 80, a indústria representava, praticamente, metade do PIB brasileiro, fechando em pouco mais de 20% em 2022. Isso é reflexo de ausência de políticas públicas e investimentos em prol da indústria brasileira. Ao observar a Indústria de Transformação, o cenário também é desfavorável: em 1985, ela representava 36% do PIB, mas, em 2021, ficou em 11%.  

Um artigo escrito pela professora Carmem Feijó, da Universidade Federal Fluminense, em parceria com o professor José Luis Oreiro aponta que um dos fatores que induz a desindustrialização é o processo de globalização, que induz diferentes países a se especializarem em bens (China) e serviços (EUA). Assim, alguns países podem desenvolver suas economias em indústrias específicas em diferentes graus de complexidade. Por outro lado, o processo de desindustrialização é um fenômeno que terá impacto negativo em relação ao crescimento em longo-prazo. Como consequência, o progresso técnico diminuirá e a restrição externa ao crescimento aumentará (OREIRO e FEIJÓ, 2010).  

O Brasil ensaiou ser protagonista em alguns setores, com destaque para o petróleo, com a Petrobras como importante empresa focada em investimentos em inovação desde a extração, passando pelo refino e na distribuição de derivados. Porém, a extrema-direita e sua agenda liberal preferiu derreter a Petrobras e tornar o país em uma grande fazenda, focando no agronegócio.  

Nota-se um movimento inverso de outras economias que buscaram a utilização de novas tecnologias e criaram políticas públicas e investimentos nesse sentido. Assim, o Brasil perde uma oportunidade de diversificar sua indústria ao priorizar setores defasados.  

A “economia de plataforma” apresentou crescimento exponencial em diferentes países. Utilizando a estrutura de algoritmização do capitalismo, Estados Unidos e China passaram a dominar esse mercado, enquanto o Brasil inteiro tem menos empresas do segmento que cidades como Nova Iorque, Londres e Tóquio. Aliás, as cidades San Francisco, San Jose, Los Angeles, Irvine, Sunnyvale, Santa Clara, Santa Monica, Wilmington, San Mateo, San Diego, Palo Alto e Redwood concentram 17% das companhias de plataformas nos Estados Unidos.  

A indústria algorítmica está em franca expansão e traz diferentes propostas em diversos segmentos. O setor da comunicação e informação é o que possui maior participação na Economia de Plataformas (54%) e há crescimento em diferentes setores tais como atividades técnicas e qualificadas (9,7%), financeiro (5,8%) e entretenimento (2,6%) (SILVA NETO, CHIARINI e RIBEIRO, 2022).  

É evidente que o uso da algoritmização está presente e em expansão na economia digital. Cabe salientar que no atual arcabouço capitalista, a algoritmização é imprescindível tanto na exploração do trabalho quanto na extração de informações de consumidores para aumentar lucros.  

A indústria digital converge para a exploração de emoções, assim, não cabe apenas o monopólio da atenção, sendo necessário que o capitalismo expanda seus tentáculos para obter mais lucro através do rompimento da privacidade por meio de algoritmos. Os vícios em redes sociais ou em jogos de apostas em plataformas são exemplos claros de como o capitalismo algoritmizado avança para ser um explorador de emoções e faz seus usuários ficarem plugados o máximo de tempo possível em seus aplicativos.  

Contudo, a Economia Digital pode ser direcionada para fora dos muros da algoritmização: é possível e necessário que sejam criadas empresas socialmente responsáveis e que entendam os limites éticos de uma sociedade conectada. Assim como vemos hoje um movimento para que a indústria seja sustentável e limpa, a Economia Digital terá pressões nesse sentido, buscando a garantia do direito à privacidade de seus envolvidos.  

Há, assim, um caminho para que o Brasil avance em uma agenda da Economia Digital. Primeiro, que não crie um ecossistema de exploração de indivíduos em uma estrutura de trabalho sem formalização e regulação, como é observado atualmente. Segundo, é necessário que sejam criadas políticas públicas de investimento na indústria digital em diferentes setores.  

A indústria digital não precisa, necessariamente, de grandes espaços físicos para desenvolver seus serviços e produtos. Muitos profissionais, inclusive, podem trabalhar de forma remota, o que permite a abertura de vagas em diferentes cidades sem que haja a necessidade de locomoção de pessoas. Assim, há um grande potencial de geração de empregos em diferentes regiões do país. Logo, a reindustrialização a partir de um modelo digital permite que cidades e estados encontrem soluções para reduzir taxas de desemprego e melhorar arrecadação a partir da instalação de empresas em seus territórios.  

É necessário, ainda, que o Estado envolva a Universidade para a expansão da Economia Digital. O Rio de Janeiro é um exemplo claro dos impactos da desindustrialização – o derretimento da Petrobras pôs fim a milhares de empregos diretos e indiretos – e de como é possível potencializar a relação Estado-Universidade com o foco em inovação. Atualmente são quatro universidades federais (UFF, UNIRIO, UFRJ e UFFRJ), duas estaduais (UERJ e UENF) além de centros de pesquisa como o IMPA e FIOCRUZ e institutos de tecnologia (CEFET e IFRJ) que são locais com grande potencial para produção de novas tecnologias e auxílio para capacitação na Economia Digital.  

A Cidade do Rio de Janeiro vem buscando se tornar uma capital da inovação no Brasil, mas não basta apenas boa vontade: é preciso criar um arcabouço estratégico para que, de fato, isso ocorra. As Naves do Conhecimento devem ser vistas como bons equipamentos públicos para a capacitação de profissionais, mas cursos que já existem necessitam de mais módulos, e novos polos devem ser construídos pela cidade oferecendo cursos mais específicos para a capacitação profissional em Economia Digital. Além disso, ser uma capital da inovação (ou da Economia Digital) não é apenas atrair empresas para a cidade, mas ter a capacidade de potencializar empresas locais. Ou seja, o foco não deve ser atrair as Big Techs para abrirem escritórios, e sim criar mecanismos para que startups e empresas de tecnologia locais possam se desenvolver.  

Percebe-se que o Brasil é mais consumidor que produtor de tecnologia, como é observado nos relatórios da SensorTower. Dentre os vinte aplicativos mais baixados no mundo em 2022, nenhum é brasileiro. Apenas na categoria de saúde e medicina, o Conecte SUS apareceu, por conta da necessidade de apresentação de comprovantes de vacina. Ao fazer um recorte só com aplicativos baixados no Brasil, há um destaque para empresas públicas como Caixa e Gov.br.  

É notório que o setor financeiro brasileiro se destaca em inovação, mas ainda depende de outras empresas estrangeiras de tecnologia para suas operações. A dependência de tecnologias de outros países também é observada em setores como o e-commerce, por exemplo. No segmento de mídia e entretenimento, o Brasil também perde espaço para empresas estrangeiras. De acordo com o relatório do IAB Brasil, em 2022, a publicidade digital brasileira movimentou mais de R$ 32 bilhões e a maior parte desse montante vai para Meta (Facebook), Alphabet (Google) e ByteDance (TikTok).  

A maior parte dos trabalhadores envolvidos com alguma tecnologia no Brasil está em atividades algoritmizadas, utilizando plataformas como Uber e iFood. Ou sejaa maioria dos profissionais trabalhando para empresas de tecnologia estão na informalidade, sem direitos e são explorados pelos algoritmos. Não são programadores e nem estão inseridos em alguma atividade de construção de novas tecnologias – por mais que alguns deles possam ter alguma qualificação para tal –, mas fazendo corridas ou realizando entregas.  

Assim, a Economia Digital brasileira está ancorada no consumo ou no trabalho informal e com baixa produção tecnológica, mesmo que tenhamos uma estrutura acadêmica com diversas universidades públicas capazes de formar profissionais com habilidades necessárias para desenvolver tecnologias e inovação.  

O terceiro governo Lula tem a oportunidade de reindustrializar o país a partir da Economia Digital, buscando crescimento em diferentes setores. A agenda econômica brasileira ainda está presa no século XX e propõe soluções obsoletas para demandas atuais, basta observar as políticas monetárias do Banco Central. É sabido que Campos Neto não é uma indicação do atual governo, porém, Haddad não vem dando sinais claros para o desenvolvimento nesse novo modelo econômico.  

Outro ponto a se destacar é como o governo pode regulamentar o trabalho algoritmizado e, principalmente, os algoritmos que atuam no mercado. É preciso garantir que trabalhadores e trabalhadoras tenham direitos garantidos de seus ofícios na Economia Digital.  

Percebe-se que a Economia Digital tem potencial de reconfigurar a estrutura geopolítica atual. Logo, é preciso refletir como o Brasil irá se inserir nesse contexto e, principalmente, como ser um agente relevante na indústria tecnológica, inclusive na América do Sul, onde o Brasil tem a capacidade de atuar como líder e construir um grande bloco econômico.  

Portanto, é necessário construir um projeto de Estado em que a Economia Digital esteja no centro de uma agenda de desenvolvimento tecnológico-industrial. É importante frear a desindustrialização brasileira que ocorre por décadas a partir de uma nova perspectiva econômica que priorize as demandas no século XXI. O Brasil é capaz de se reindustrializar a partir do modelo econômico digital. Para isso é preciso que o Estado invista em políticas públicas que sejam capazes de construir uma estrutura sólida para que profissionais sejam capacitados para desenvolver empresas digitais.  

Herbert Salles é Doutorando em Economia pela UFF.  

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