28 julho 2023

Futebol: limites da objetividade

Nem sempre, como é repetido, um time vence porque é mais objetivo

O futebol se passa muito nas entrelinhas, na subjetividade, no que não pode ser medido nem calculado
Tostão/Folha de S. Paulo

 

Quando nós comentaristas não sabemos explicar os detalhes e os fatos inesperados de um jogo, o que é frequente, costumamos dizer, em partidas equilibradas, que o time que venceu foi mais objetivo.

Após o fracasso da seleção brasileira na Copa de 1966, Nelson Rodrigues chamou de "idiotas da objetividade" os que babavam pela disciplina tática dos europeus, especialmente a dos ingleses, campeões do mundo, e criticavam o futebol de dribles e de improvisações dos brasileiros, chamados de ultrapassados. Na época, diziam que era o fim do futebol-arte, praticado pelo Brasil nas conquistas dos Mundiais de 1958 e 1962. Quatro anos depois, a seleção voltou a encantar o mundo. Deu show e foi objetiva.

Há uma tendência de se achar que o futebol bonito é pouco objetivo. No início de carreira, diziam que Ronaldinho Gaúcho era um fantasista, malabarista, sem objetividade. Ele fascinou o mundo da bola e foi eleito duas vezes o melhor do mundo. Uniu os efeitos especiais com a técnica e a eficiência.

Os centroavantes que fazem muitos gols, mas não possuem outras qualidades, são muito mais endeusados do que os que marcam menos gols, embora muitos desses participem mais do jogo coletivo, facilitem para os companheiros e deem muitos mais passes para gols. O passe decisivo é tão importante quanto a finalização e o gol.

Ser objetivo é saber enxergar o que se pode ver e imaginar o que não se vê. As coisas menos vistas e menos faladas são às vezes mais importantes. O futebol e a vida se passam muito nas entrelinhas, na subjetividade, no que não pode ser medido nem calculado. Ser pouco objetivo é driblar e não sair do lugar, é enrolar com a bola, não ter lucidez para tomar as decisões certas e terminar as jogadas.

O Athletico-PR não ganhou do Vasco porque foi mais objetivo, como alguém disse. Ganhou porque é melhor no conjunto e individualmente. O veterano Fernandinho e o jovem Vitor Roque estão entre os grandes destaques do futebol brasileiro. Vitor Roque é a grande esperança de o Brasil ter na próxima Copa um centroavante do mais alto nível mundial.

Quando o Fluminense vence, o time e o treinador Fernando Diniz são exaltados pelo futebol bonito, de aproximação dos jogadores e troca de passes. Nas derrotas, são criticados pelo futebol pouco objetivo. Os últimos resultados ruins são, provavelmente, consequência da marcação mais forte e por pressão dos adversários.

A seleção brasileira feminina goleou o Panamá por 4 a 0 com um futebol bonito e objetivo, facilitado pela fragilidade da adversária. Houve lances belíssimos. Os quatro gols saíram de jogadas pela esquerda, quase sempre com a participação da ótima lateral Tamires, seguidas de cruzamentos e passes para o centro. Ary Borges, entrando em diagonal da direita para o meio, fez três gols e ainda deu um passe para Bia fazer outro.

Os quatro gols parecidos foram uma demonstração da força coletiva da equipe. Por outro lado, fica a dúvida se não faltou um repertório maior de jogadas de ataque, o que pode gerar dificuldades contra seleções mais fortes. No sábado, contra a França, poderemos ter uma visão sobre a capacidade da equipe mais próxima da realidade.

Os antigos chavões de que o Brasil é o país do futebol, de que os jogadores e jogadoras fazem coisas que só eles e elas sabem, apresentam uma visão presunçosa. Os e as artistas da bola estão presentes em todo o mundo. Estamos entre os melhores, mas não somos únicos.

Nem sempre a aparência é igual à essência https://bit.ly/3Ye45TD

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