04 setembro 2023

Uma crônica de Ruy Castro

A morte do herói
Uma pequena distração ao consultar um site de pesquisa pode levar a um grande equívoco
Ruy Castro/Folha de S. Paulo


Em busca de uma informação sobre a idade de Harrison Ford (setentão ou oitentão?), recorri outro dia ao Internet Movie Database. O IMDb é o site que me fez aposentar quase todas as enciclopédias de cinema que acumulei na vida —o que ele não souber de filmes eu também não preciso saber. E assim, tranquilo, fui ao IMDb me informar sobre Harrison Ford, o indestrutível Indiana Jones.
 

Para minha surpresa, descobri que Harrison Ford morrera! E não minutos antes, mas em 1957, aos 73 anos! E tampouco numa emboscada tuaregue no Saara ou numa cisterna cheia de cobras no Nepal, mas em sua casa, em Woodland Hills, Los Angeles, com uma vela na mão e cercado pelos seus! O IMDb o descreve como bom ator, com 1,80m e, segundo Gloria Swanson, sua coestrela, possuidor também de certas qualidades. Gloria Swanson??? E surpreendente também é que, depois de uma carreira de algum sucesso, com filmes como "Morrer Sorrindo" (1922), "Amor e Pílulas" (1926) e "Loura e Sapeca" (1927), Ford parou de repente de trabalhar e só voltou ao cinema uma vez, em 1932, num filme B, e se aposentou de vez.

Ah, entendi. É outro Harrison Ford, xará do herói. Fico sabendo então que este primeiro Harrison Ford foi um astro do cinema mudo que não se deu bem com a chegada do cinema sonoro, em 1927, e, como alguns de seus colegas famosos —Clara Bow, Douglas Fairbanks, Mary Pickford, Harold Lloyd, Tom Mix—, teve de encerrar a carreira. No seu caso, por ele não conseguir falar na direção do microfone, então sempre camuflado dentro de um vaso de flores ou pendurado atrás do sofá.

O comovente é que, na vida real, Ford continuou fiel ao cinema mudo. Passou a se comunicar por monossílabos. Foi aos poucos deixando de falar e, ao morrer, tantos anos depois, estava praticamente mudo. Enfim, o anti-Harrison Ford que conhecemos.

E, se você pensa que inventei tudo isso, consulte o IMDb.

[Ilustração: Harrison Ford, com Constance Talmadge (centro), em cena da comédia romântica "A Pair of Silk Stockings", de 1918 - Heloisa Seixas/FSP]

Poema é de Cecília Meireles com ilustração de Paul Serusier https://tinyurl.com/2bmegyo2

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