18 outubro 2023

Cláudio Carraly opina

Pós-Modernismo: Estamos Todos Cansados e Mais Tristes

Cláudio Carraly*

 

A sociedade pós-moderna é um labirinto complexo de ideias e contradições, um lugar onde as narrativas tradicionais desmoronam e a realidade parece fragmentada. Enquanto navegamos por esse terreno incerto, muitos de nós enfrentam uma crescente sensação de cansaço e tristeza, a fadiga e a melancolia parecem fazer parte do que experimentamos como a cultura pós-moderna, enquanto a nós, vamos nos aventurando em uma busca filosófica de compreensão, no jogo de tentativa e erro a procura da solução para esse drama. O fato é que não esperávamos esse momento distópico ao sonhar no passado com o esse futuro que chegou.


Essa sociedade é caracterizada por uma profunda desconfiança em relação a meganarrativas e conceitos tradicionais do que é a “verdade”. O pós-modernismo, como movimento cultural e filosófico, nos convida a questionar e desconstruir os sistemas de significado que uma vez ancoraram nossas vidas. No entanto, essa desconstrução, amplificada pelo bombardeio de informação e desinformação que experimentamos, por vezes contestando o próprio conceito de realidade, pode nos levar a uma sensação de desorientação e exaustão, uma vez que não tendo um ponto de referência sólido, tudo que embasa nossos parâmetros intrínsecos tornam-se flácidos e até irrelevantes. Se tudo é fluido e a “verdade” é apenas uma situação factual ou mera condição de opinião individual, no que crer ou onde se apoiar, o que é definitivo e inconteste? 


A ironia é uma característica marcante da sociedade pós-moderna, nós zombamos do que consideramos sério, muitas vezes rindo de nós mesmos e de nossas próprias crenças. Essa atitude irônica, embora possa ser libertadora ao ser levada a extremos, pode nos deixar em um estado constante de incerteza e desconexão com o fato objetivo e suas repercuções. O cansaço existencial surge quando duvidamos da seriedade de nossas ações e objetivos, deixando-nos com um vazio irônico e ao final abraçamos o cinismo como ideologia de vida.


Nesse novo mundo o consumismo atinge níveis vertiginosos, uma característica do que vivemos hoje como sociedade é um mundo de constante entretenimento, publicidade e uma busca por experiências emocionantes e extremas. A rotina é desvalorizada e vista como perniciosa, vivemos a procura incessante de querer sempre mais, e o mais nunca é o bastante. No entanto, essa caça implacável por novidades ao final nos deixa com uma sensação de insatisfação e tristeza quando percebemos que as experiências efêmeras não fornecem o significado profundo que desejamos. A cultura de "comprar, consumir, descartar" alimenta a insaciável busca por significado e esse significado a muito tempo a humanidade sabe que não se encontra fora, mas dentro de si, precisamos reaprender o que há muito já sabemos. Diante da fadiga e tristeza na sociedade pós-moderna, é importante buscar soluções que respeitem a natureza fragmentada da realidade:

 

·       A Desconstrução Consciente: Em vez de resistir à desconstrução, podemos abraçá-la conscientemente como uma oportunidade de explorar diferentes perspectivas e reconstruir nossa compreensão da realidade. Isso pode ajudar a dissipar a sensação de exaustão;

 

·       A Ironia Reflexiva: Em vez de rejeitar a ironia, podemos usá-la como uma ferramenta para questionar e subverter as expectativas convencionais. A ironia reflexiva nos permite encontrar humor e novas percepções em nossas próprias contradições, aliviando o cansaço existencial, sem sucumbir ao cinismo desesperançado;

 

·       A Busca do Significado Autêntico: Em meio à busca frenética por significado, podemos buscar o autêntico em nossas vidas. Isso envolve a exploração de nossos valores éticos, conexões intrapessoais e propósitos intrínsecos de nossa vida, em vez de nos perdermos na cultura do hiperconsumismo, que nunca preencherá nosso vazio existencial, muito menos responderá a nossa questões fundamentais.


Ainda resta responder o que são certezas e o que é a realidade. A “certeza”, são convicções pessoais ou crenças que alguém mantém como verdades inquestionáveis. São afirmações nas quais  temos um alto grau de confiança e sem dúvida significativa, mas que não necessariamente estão corretas, são um amálgama de experiências pessoais, nível de educação, religião e ideologia, essas nem sempre refletem a “realidade de fato”. Pessoas podem ter certezas que estão incorretas, baseadas em informações incompletas, interpretações distorcidas ou crenças pessoais.

 

            

Já no caso da “realidade", essa refere-se aos eventos e circunstâncias reais e objetivas que ocorrem no mundo. Esses são eventos e condições que podem ser observados, medidos e verificados de maneira empírica e/ou científica. A realidade de fato é independente das crenças ou opiniões individuais, por exemplo, a queda de uma maçã é uma realidade de fato na física, independentemente de qualquer pessoa acreditar nisso. É importante notar que as certezas pessoais sem utilização do instrumental criado pela própria sociedade humana são vazias, por isso é fundamental utilizar ferramentas como, método científico, método socrático, leis da lógica, dentre outros, a ciência e a investigação objetiva buscam estabelecer a realidade de fato por meio de evidências, experimentação e observação, enquanto as certezas individuais podem variar amplamente e não necessariamente refletir a verdade objetiva. Nem todas as certezas correspondem à realidade de fato, e é importante distinguir entre esses conceitos ao discutir verdades e crenças.


Em nossa sociedade pós-moderna, o cansaço e tristeza parecem muito mais agudos, devido à desconstrução constante da realidade que recebemos de nossos antepassados, essa que foi uma construção edificada em séculos em alguns casos em milênios de acúmulo sociocultural, quem veio antes de nós, também buscou  incessante significado e nos legou suas experiências, mesmo com todos os erros, preconceitos, superstições, mas também com inúmeros acertos na caminhada. No entanto, ao abraçar a desconstrução pós-moderna de forma consciente, usando contestação, ironia, vendo o fato em contra visão, teremos ferramentas reflexivas para buscar significado autêntico, podemos encontrar maneiras de enfrentar esses desafios de uma forma que respeite a complexidade dessa era. Nossa jornada filosófica historicamente nos lembra que, embora a realidade possa ser fragmentada e incerta, ainda temos a capacidade de dar sentido à nossa própria existência, independentemente das narrativas tradicionais, opinião será sempre e apenas isso, uma opinião. A realidade será o fato analisável, observável, compreendido e aprimorado nos processos e métodos científicos e filosóficos, o resto é terraplanismo fundamentalista.


[Ilustração: Joan Miro]


*Advogado, ex-secretário estadual de Direitos Humanos

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