O plano Haddad e a dinâmica da economia e da política
A arte da política será dosar o enfrentamento ao Congresso e ao mercado, não tanto que leve à ruptura, não tão pouco que sugira a rendição.
Luís Nassif/Jornal GGN
O Ministro da Fazenda Fernando Haddad tem uma estratégia clara, em relação à meta de déficit zero. Mantendo a meta, imagina ele, explicita os vazamentos e induz o Congresso a apoiar medidas que segurem a sangria. É uma tática inteligente, se o objetivo final fosse apenas o de corrigir as sangrias.
Mas suponha que a estratégia seja bem sucedida. Como estará o Brasil daqui a um ano?
1. No máximo, a taxa Selic chegará aos 10%.
2. Não haverá nenhuma redução no spread bancário ou mesmo na taxa de juros do cartão de crédito.
3. A queda prevista nas cotações de commodities afetará a receita fiscal, obrigando a contingenciamentos no orçamento.
4. Haverá mais entrada de dólares e o fortalecimento do real, com um único efeito: a valorização, em dólares, dos ativos negociados no mercado.
Esta é a lógica das políticas de austeridade.
Abaixo, um organograma simples de como operam as políticas de austeridade.
Elas consistem de dois ingredientes básicos:
1. No plano fiscal, cortes de despesas, influenciando os investimentos públicos (que são essenciais para o dinamismo da economia) e os gastos sociais (essenciais para o bem-estar dos cidadãos.
2. No plano monetário, aumento expressivo das taxas de juros, atraindo dólares e valorizando o real.
A partir daí, há as seguintes consequências sobre a economia real e o mercado.
Economia real
1. Queda dos investimentos públicos, assim como dos gastos sociais, impacta negativamente a atividade produtiva. Produz-se menos, vende-se menos.
2. Taxas de juros elevadas inviabilizam o crédito, prejudicando a atividade interna.
Mercado
1. O enfraquecimento da atividade interna barateia os preços das empresas permitindo os grandes negócios de fusão e aquisição.
2. O fortalecimento do real serve apenas para valorizar o preço dos ativos financeiros (em dólares). Ao mesmo tempo, reduz a competitividade das empresas do setor produtivo, possibilitando os grandes negócios de fusão e aquisição.
Confira a tabela. Determinado ativo vale R$ 10 milhões. Com o dólar a R$ 5,20, será equivalente a US$ 1,9 milhão. Se o real se apreciar, e passar a valer, digamos,. R$ 4,80, só por conta desse movimento, o valor do ativo, em dólares, saltará para U$ 2,1 milhão, uma elevação de 8,33% só por conta da apreciação cambial.
Agora, suponha que o real de aprecie e o valor da empresa despenque.Entenda a tabela. A empresa vale R$ 10 milhões. Com o dólar a R$ 5,20, o investidor traz US $ 1,9 milhão, converte em reais e durante um ano aplica a uma taxa de 13,25%.
No final de um ano, terá R$ 11,3 milhões. Com taxas elevadas, e sem acesso a crédito, o valor da empresa despenca para R$ 8 milhões. Ele paga e fica com R$ 3,3 milhões de sobra. Como o real se valorizou e o dólar passou a valer R$ 4,80, ele consegue converter para US$ 692 mil dólares. Com isso, obteve um ganho de 36% no período.
Esta é a lógica que está por trás das políticas de austeridade, praticadas no país pelo menos desde a gestão Marcílio Marques Moreira.
Política
O nome política econômica tem mais significados do que supõe nossa vã filosofia. Não existe economia como ciência exata, descolada da economia real e do mundo político.
As políticas de austeridade levam à desmoralização dos partidos tradicionais e ao crescimento da ultradireita, porque não entregam o que a população quer: emprego, bem estar, desenvolvimento, serviços públicos.
É este o desafio de Lula 3.
1. A estratégia de Haddad consiste em definir uma meta quase inalcançável de equilíbrio fiscal.
2. A meta recebe apoio do mercado e da mídia.
3. Com base nesse apoio, ele julga que haverá pressão suficiente sobre o Congresso, para aprovar medidas que reduzam os furos do orçamento; e que o Banco Central passe a derrubar mais rapidamente a taxa Selic.
Com equilíbrio fiscal e Selic mais baixa, haverá uma recuperação da economia, que devolverá a governabilidade ao governo Lula.
Entre a visão ideal do economista e a dura realidade, há um enorme conjunto de setores, impossível de serem medidos antecipadamente.
Vamos às contraindicações dessa estratégia:
1. Acalma o mercado mas não resolve o incêndio que grassa em inúmeros setores da economia devido à falta de crédito e de demanda. Por outro lado, sem a meta de equilíbrio fiscal, o mercado tem instrumentos de pressão, esticando a taxa de juros longa, a desvalorização do real e provocando encarecimento maior dos juros internos. Em outros países, o Banco Central atua tanto no mercado de taxas quanto de câmbio. Por aqui, é tabu.
2. A meta de equilíbrio fiscal atrai dólares, e reduz investimentos públicos. Mais dólares, real mais apreciado e empresas – já em frangalhos – enfrentando o barateamento das importações.
3. Na melhor das hipóteses se chegará com uma Selic a 10% no final do próximo ano, e sem se tocar nos spreads bancários. Não se pode esperar bom senso de Roberto Campos Neto, presidente do BC.
4. Na avaliação da Fazenda, depois das três primeiras etapas, a economia voltará a crescer. Mesmo em uma hipótese otimista, não a tempo de salvar as eleições de 2024, cruciais para manter unida à frente democrática. Na pior das hipóteses, a economia se agrava. Em qualquer delas, o governo chegará ao segundo ano sem cacife político junto ao eleitorado.
No fundo, a arte da política será saber dosar o enfrentamento ao Congresso e ao mercado, não tanto que leve à ruptura, mas não tão pouco que sugira a rendição.
E tem-se um presidente da República que parece ter perdido a fé na própria intuição, após o golpe que levou ao impeachment e à sua prisão. A eleição de Milei é um alerta relevante nesses tempos de obscurantismo e imprevisibilidade.
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