16 dezembro 2023

Cláudio Carraly opina

Eutanásia e o suicídio assistido, um debate que precisamos fazer
Cláudio Carraly*


O crescente debate em torno do direito à eutanásia e do suicídio assistido reflete a complexidade ética e moral envolvida na tomada de decisões relacionadas ao fim da vida. Esta análise se propõe a explorar a questão a partir das perspectivas científica, jurídica e social, considerando as implicações éticas, médicas e legais que permeiam esse tema sensível. Esse debate tem uma base significativa na literatura médica, estudos recentes indicam que pacientes terminais frequentemente enfrentam não apenas dores físicas intensas, mas também angústias emocionais profundas, por vezes, o sofrimento mental é tão relevante quanto o sofrimento físico na decisão sobre o direito à eutanásia, assim, esses emergem como possíveis soluções para aliviar esse sofrimento prolongado, proporcionando aos pacientes uma morte mais digna e menos dolorosa. 

O panorama jurídico internacional em relação ao tema é diversificado e complexo, países como a Holanda e a Bélgica têm legislações que reconhecem o direito à eutanásia sob determinadas condições, estabelecendo rigorosos protocolos de avaliação e salvaguardas para garantir que a decisão seja informada e voluntária, por outro lado, nos Estados Unidos, a legalidade varia consideravelmente entre os estados, o Estado do Oregon, por exemplo, permite o suicídio assistido sob a Lei de Opções de Morrer com Dignidade, enquanto outros estados proíbem explicitamente tais práticas. 

No contexto brasileiro, esse debate envolve uma complexa interseção entre considerações éticas, legais e culturais. Em um país marcado por uma diversidade de perspectivas, fundamentadas principalmente em valores religiosos, a discussão sobre o direito à morte assistida emerge como um desafio complexo, atualmente, o Brasil não possui legislação específica que aborde a eutanásia ou o suicídio assistido, a prática é considerada ilegal, e o Código Penal brasileiro criminaliza o auxílio ao suicídio, no entanto, o Supremo Tribunal Federal, tem sido palco de debates judiciais sobre a possibilidade de reinterpretar as leis de maneira mais flexível para permitir casos específicos, especialmente quando há sofrimento insuportável ao paciente, esse cenário legal ambíguo tem gerado discussões intensas entre defensores da autonomia do paciente e aqueles que sustentam valores éticos e religiosos que consideram a vida inviolável.

A sociedade brasileira é profundamente influenciada por uma diversidade de crenças religiosas, em sua ampla maioria de católicos e protestantes, esses sistemas de crenças consideram a vida como inviolável em todos os termos, o que impacta diretamente a percepção pública em relação ao tema, inclusive interditando o simples debate, a resistência cultural e religiosa, embasada em concepções tradicionais, influencia profundamente a legislação e dificulta a discussão aberta sobre a morte assistida, contudo, algumas vozes têm se levantado para propor uma reflexão mais ampla sobre o tema, destacando a necessidade de considerar, além da visão religiosa, avaliar também as necessidades e desejos do paciente.

Do ponto de vista da saúde pública, a discussão também se conecta aos desafios enfrentados pelo sistema de saúde brasileiro, questões relacionadas ao acesso a cuidados paliativos, qualidade de vida em situações terminais e a capacidade do sistema em lidar com pacientes em sofrimento intenso são tópicos cruciais que necessitam de conhecimento da sociedade, e a ausência de uma legislação clara coloca médicos e profissionais de saúde em uma posição delicada, onde as decisões muitas vezes são tomadas em um vácuo legal, sem diretrizes claras para orientar práticas e condutas éticas.

Portanto, a perspectiva brasileira sobre a eutanásia e o suicídio assistido refletem a complexidade de um país diverso, marcado por tradições culturais distintas e profundamente influenciado por valores religiosos, o debate está longe de ser simples, uma vez que envolve não apenas considerações éticas e legais, mas também desafia crenças arraigadas na sociedade, nesse contexto, é fundamental promover um diálogo aberto e inclusivo que leve em conta a pluralidade de visões existentes, essa discussão requer uma abordagem que considere tanto as necessidades dos pacientes quanto o respeito às crenças culturais e religiosas. A educação pública sobre cuidados paliativos, direitos do paciente e ética médica pode ser fundamental para informar e capacitar os cidadãos a participar de maneira informada e reflexiva nessa temática, visto que à medida que a sociedade evolui é possível que haja mudanças nas percepções e abordagens em relação à morte assistida.

Buscar um equilíbrio entre a autonomia individual e a proteção dos valores sociais é fundamental, o respeito pela dignidade humana, aliado a protocolos rigorosos e avaliações éticas, pode orientar a implementação de políticas que permitam o direito à eutanásia e ao suicídio assistido sob circunstâncias jurídicas bem definidas. Ademais, é imperativo promover um diálogo aberto e educativo na sociedade, visando desmistificar o tema e dissipar temores infundados, a informação clara sobre os processos, as salvaguardas legais e as opções de cuidados paliativos podem empoderar os indivíduos a tomar decisões informadas, enquanto respeitamos as preocupações éticas e morais daqueles que se opõem a essas práticas pelo simples desconhecimento ou visão religiosa.

Portanto, o caminho a seguir para a sociedade parece ser o estabelecimento de novos marcos legais que permitam a eutanásia e o suicídio assistido, com base em princípios éticos sólidos e salvaguardas robustas, utilizando principalmente da experiência dos países que adotaram essa política, essa abordagem respeita a diversidade de valores presentes em uma sociedade, ao mesmo tempo, proporciona aos indivíduos o direito de ter controle sobre o fim de suas vidas, quando enfrentam condições irreversíveis e insuportáveis, apenas dando sequência a uma sobrevida desumana e indigna. Em última análise, a busca por um equilíbrio entre a autonomia individual e os valores sociais é uma jornada contínua, moldada pela evolução da compreensão ética, médica e jurídica, a construção de um consenso sólido exige a participação ativa de todos os setores da sociedade, visando encontrar soluções que respeitem a dignidade humana e promovam a compaixão em momentos de extremo sofrimento humano.

[Ilustração: George Segall]

*Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
Para além do risco de giz https://bit.ly/3Ye45TD

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