06 dezembro 2023

Uma crônica de Cícero Belmar

O sumiço do Menino Jesus
Cícero Belmar*

Roubaram o Menino Jesus que estava no presépio. Dizendo assim, com esse jeitão de manchete de jornal, pode-se até questionar se a palavra certa é essa mesma. Roubo é uma coisa, furto é outra. Furto é a subtração do alheio: o ladrão encontra o objeto dando mole e leva. Roubo pressupõe um contato com a vítima. Como sabemos, não foi o caso.

O Menino Jesus em questão era uma escultura. Ela foi instalada no dia 19 deste mês no presépio que faz parte da decoração natalina do Parque das Graças, no Recife. O bairro que tem o nome de Graças é um dos mais chiques da capital pernambucana. No dia seguinte à inauguração da lapinha, o Menino Deus sumiu. Levaram a imagem “e não sabemos onde o puseram”, como dizem as Sagradas Escrituras.

O que se pode afirmar é que levaram o menino do seio de sua família. Ele estava lá, deitadinho na manjedoura, rodeado pelos pais São José e Nossa Senhora, além dos Reis Magos, e dos animais que foram saudar o seu nascimento. Mas todos esses foram deixados na lapinha. As esculturas que formam o presépio são volumosas. Confeccionadas em barro avermelhado, têm pelo menos um metro de altura.

Ao contrário de todas essas, que são grandes e pesadas, a escultura do recém-nascido, é do tamanho de um boneco. Talvez um pouco maior do que esses da estrela. Por falar nisso, o ladrão estava tão apressado que não teve tempo de pegar também a bela estrela, igualmente pequena, que encima a lapinha.

O menino santo coube dentro de uma bolsa ou de uma sacola. Quem é cristão sabe o quanto os pais sempre foram zelosos, cuidadosos e dedicados. Mas, nem a inocência da criança expressa na escultura, nem a doçura do olhar dos pais, foram suficientes para fazer o ladrão desistir.

O dono do alheio achou que valia a pena gastar a adrenalina da aventura, e colocou a escultura debaixo do braço. Saiu de forma tão disfarçada que não chamou a atenção nem dos guardas municipais. Quem rouba o Menino Jesus da lapinha também tem natureza para raptar uma criança? Penso, dramático que sou.

A palavra furto é a correta nessa situação, mas dá a impressão de ser um eufemismo. Como quem está passando pano para o ladrão. Levar a escultura foi crime, apropriação indébita de um bem público. E esse é mais um termo com que implico. Apropriação indébita parece que abranda um comportamento marginal.

O crime cometido está descrito no artigo 155 do Código Penal. E não o 157, do roubo, mais grave. Curioso é que já ocorreu a mesma coisa no Parque da Lagoa, em João Pessoa, na Paraíba. A polícia terminou descobrindo quem levou a imagem. A mulher justificou dizendo que achou o menino tão bonitinho, perfeito para enfeitar a lapinha de sua casa. Foi literalmente um sentimento de pertencimento. Recebeu uma penalidade branda e devolveu o menino à manjedoura.

O sumiço da imagem, no Recife, me chamou a atenção para as novidades dos enfeites natalinos. Tudo carnavalizado: a cidade está cheia de renas alegóricas, penduradas nos postes; guirlandas estilizadas; papais noéis que parecem primos do Rei Momo; e árvores fantasiadas de pisca-pisca nervosos. Os presépios, que têm um papel visual e espiritual do nascimento do Menino Deus, estão em poucos lugares.

Afinal, quem furtou o Menino Deus, será que ainda tem pelo menos a imagem dele no coração? 

Foto: Artur Borba/JC Imagem

*Jornalista, escritor
A espionagem no governo Bolsonaro https://bit.ly/3Nd7RsC

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