24 janeiro 2024

Enio Lins opina

Aborto necessário de uma inconstitucionalidade cruel

Enio Lins*



Em boa hora, liminar do Poder Judiciário suspendeu lei municipal que extrapolava as atribuições da legislação federal no tocante a interrupção de gravidezes. Inconstitucional, esse dispositivo foi abortado.

Pelo divulgado, a norma aprovada pela Câmara de Maceió determinava que, “ao realizar aborto legal na rede pública do município, as mulheres teriam que assistir a vídeos e visualizar imagens com fetos”, entre outras formas de pressão psicológica.

Considerando que a mulher busca interromper legalmente a gravidez não como método anticoncepcional, mas por risco de vida ou gestação decorrente de estupro – motivos muito traumáticos – como, sob tamanho estresse, acrescer constrangimentos excepcionais?

O QUE DIZ A LEI MAIOR

Em seu artigo 128, o Código Penal define as possibilidades do “aborto necessário”, em dois incisos: “I - Se não há outro meio de salvar a vida da gestante; aborto no caso de gravidez resultante de estupro; II - Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.

Essa legislação está em vigor há 83 anos e 23 dias, instituída pelo Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. É a lei. Não lhe cabe penduricalhos estaduais ou municipais. Apreciando Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) interposta pela Defensoria Pública, o TJ determinou a suspensão, em caráter liminar, desse equivocado dispositivo municipal.

REVITIMIZAÇÃO CRUEL

Segundo reportagem da Tribuna Independente, o Defensor Público Geral Carlos Eduardo Monteiro, entrou com uma ADI por considerar “a inconstitucionalidade material da lei também pode ser constatada pelo desrespeito aos princípios constitucionais federais e estaduais relacionados ao bem-estar social, ao direito à saúde e à dignidade das mulheres, que, em situação de extrema vulnerabilidade psicológica, serão revitimizadas nos casos em que foram estupradas ou, ainda, em que se encontram em risco de vida”.

Sobre a petição de Monteiro, reporta a Tribuna: “a lei violou a Constituição Estadual, que estabelece que o município deve se organizar atendendo aos princípios da Constituição Federal. Além disso, a lei municipal tentava legislar sobre matérias que não são de interesse exclusivamente local, conforme determina a Constituição Estadual, mas sim de efeito geral, ultrapassando, dessa forma, os limites de sua competência”.

VULNERABILIDADE DESCONSIDERDA

Atendendo à petição em caráter liminar e despachando-a para apreciação pelo Pleno do Tribunal de Justiça, o Desembargador Fábio Ferrário considerou que “a Lei Municipal nº 7.492/2023 desconsidera completamente a situação de fragilidade e vulnerabilidade em que se encontra uma mulher que está prestes a realizar um aborto. A decisão por realizar este ato, sem sombra de dúvidas, não é fácil, assim como é extremamente delicada a conjuntura vivenciada pela mulher que a permitem abortar de forma legal”.

Escreveu a jornalista Thayanne Magalhães: “o relator [Desembargador Fábio Ferrário] destaca ainda a necessidade de aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). ‘No referido protocolo, são apresentados conceitos e orientações para que o Poder Judiciário não seja mais uma instituição a reforçar desigualdades estruturais e históricas contra a mulher’”.

Aplausos para o Defensor Público-Geral e para o Desembargador Relator!

*Arquiteto, jornalista, cartunista e ilustrador

Em cima do lance https://bit.ly/3Ye45TD

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