12 janeiro 2024

No fundo do poço?

Um ano após escândalo, Americanas agoniza rumo à falência

10.637 trabalhadores com carteira assinada foram demitidos e 7,6 milhões de clientes ativos deixaram de comprar nas Lojas Americanas
André Cintra/Vermelho


 

A revelação da maior fraude corporativa na história do Brasil completou um ano nesta quinta-feira (11). Em comunicado ao mercado divulgado em 11 de janeiro de 2023, as Lojas Americanas informavam ter descoberto “inconsistências contábeis” da ordem de R$ 20 bilhões nas demonstrações financeiras.

O rombo geral – sabemos hoje – é muito maior. Em recuperação judicial, a Americanas acumula ao menos de R$ 50 bilhões em dívidas – o que levaria a imensa maioria das empresas brasileiras rapidamente à falência. No caso da rede varejista, o colapso não está descartado, mas a empresa, até aqui, sobreviveu. A que custo?

  • Em um ano, o valor de mercado das Americanas desabou 93% – de R$ 11 bilhões para R$ 765 milhões;
  • As ações foram de R$ 12 para R$ 0,85;
  • Numa decisão inédita, a Bolsa de Valores (B3) retirou da empresa o selo de Novo Mercado (nível máximo de governança corporativa);
  • A rede encolheu 126 lojas, média de uma unidade fechada a cada três dias;
  • 10.637 trabalhadores com carteira assinada foram demitidos;
  • 7,6 milhões de clientes ativos deixaram de comprar nas Lojas Americanas;
  • A empresa foi alvo de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Câmara dos Deputados;
  • Na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Americanas acumula 12 processos e lidera a lista de inadimplentes na entrega de documentos.

Do ponto de vista da estratégia de negócios, uma mudança sobressai aos olhos dos clientes que continuaram a visitar as lojas físicas ou online da empresa: a oferta de produtos foi sensivelmente reduzida. A Americanas abriu mão de ser uma alternativa interessante para quem procura itens como eletrônicos e eletrodomésticos.

Segundo o presidente da rede varejista, Leonardo Coelho, a prioridade era cortar especialmente despesas de logística. “O volume de vendas online em que a Americanas compra da indústria, estoca no seus centros de distribuição e vende, cuidando de todo o processo, caiu para menos de 10% do que era antes”, declarou o executivo ao jornal O Globo. A participação da empresa no comércio eletrônico (e-commerce) brasileiro passou, assim, de 13,2% para 4,9%.

Trata-se, ainda, de uma gigante do comércio no País – mas uma gigante que agoniza rumo a uma falência praticamente inevitável. Às voltas com uma crise de reputação que respingou em todo o setor varejista, a Americanas não conseguirá deter sua sangria tão cedo. “Outras companhias como o Magazine Luiza, tida como a melhor do setor, já não têm sido bem-sucedidas em angariar o apoio dos investidores, apesar das finanças equilibradas”, lembra Phil Soares, chefe de análise de ações da Órama.

Ao contrário: a expectativa do mercado é a de que as dificuldades asfixiem a Americanas cada vez mais. O número de lojas fechadas deve pelo menos dobrar entre 2024 e 2025. Com isso, as demissões em massa vão continuar. Até o último dia de 2023, a rede contava com 1.754 lojas e com 32.486 trabalhadores formais.

No discurso, os executivos tentam passar otimismo. “Para as Americanas, o ano de 2024 começou mais cedo. Foi no dia 19 de dezembro de 2023, quando o plano de recuperação da empresa foi aprovado por 97,19% dos detentores de créditos”, informou a rede em matéria paga publicada em diversos jornais nesta quinta. “Bem aceita, a proposta envolve a capitalização de R$ 24 bilhões.”

Conforme o acerto, os acionistas de referência da Americanas – Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles – entrarão com um aporte de R$ 12 bilhões. Os três bilionários – que já foram considerados os “deuses do capitalismo brasileiro”, a despeito do histórico de fraudes e calotes – não passaram incólumes à implosão da credibilidade das Americanas. É possível que sejam indiciados, julgados, condenados e presos, embora punições mais extremas para crimes do gênero sejam raras no Brasil.

O setor que já viu a monumental derrocada de marcas como Mappin, Mesbla e Arapuã parece viver um déjà-vu diante do caso das Americanas. Com uma diferença: ainda que pague todos os credores e conclua com êxito a recuperação judicial – o que está previsto para 2026 –, a Americanas não logrará uma recuperação “moral”. Rombos provocados por fraudes deixam sequelas inextirpáveis na imagem de uma empresa.

Até 2020, conforme a serie história de pesquisas NielsenIQ|Ebit, a Americanas era o site mais lembrado pelos brasileiros na hora de fazer compras. Hoje, ocupa apenas a quinta colocação, atrás de Amazon, Mercado Livre, Magalu e Shopee. Investidores olham as ações da empresa na Bolsa e só enxergam o chamado “risco elevado” – ou, como resume Gustavo Cruz, da RB Investimentos, são “papéis de especulação”.

O plano de recuperação judicial projeta um lucro de R$ 2,2 bilhões já em 2025, mas ninguém em sã consciência acredita de verdade nessas estimativas. Apesar de ter resistido por um ano ao escândalo, a Americanas definha em praça púbica.

O mercado não é tudo https://bit.ly/3Ye45TD

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