25 janeiro 2024

Seca na Amazônia (2)

Seca na Amazônia: uma crise que não acabou

Impactos sociais, econômicos e ambientais persistem após o período de estiagem e alertam para a necessidade de ações urgentes na região amazônica
Liege Costa/Le Monde Diplomatique



Os impactos da seca na região amazônica ainda são sentidos após o período de estiagem, que deveria durar de agosto a novembro de 2023. Os níveis dos rios ainda estão abaixo da média, o que tem causado uma série de problemas para a população e a economia da região.

A seca na Amazônia é um fenômeno complexo que é causado por uma combinação de fatores, incluindo o desmatamento, as queimadas e as mudanças climáticas. O desmatamento, por exemplo, reduz a capacidade da floresta de absorver água, o que contribui para a seca.

E um dos principais impactos da seca é a dificuldade de acesso à água potável. Em muitas comunidades ribeirinhas, os rios secaram ou diminuíram tanto que não é mais possível utilizá-los como fonte de água. Isso tem obrigado as pessoas a buscar água em poços ou nascentes, que muitas vezes estão contaminados.

Wilson Sabino, professor do Instituto de Saúde Coletiva (Isco) da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém, explica que, nas comunidades ribeirinhas do oeste paraense, os sistemas utilizados para suprir a necessidade de água potável, no período de estiagem, não são monitorados pelo poder público, o que significa que não é possível garantir que a água esteja apropriada para consumo.

“A insuficiência de água potável chega a ser uma situação contraditória na região amazônica. Embora o recurso seja uma das principais características do cenário amazônico, o acesso à água encanada, na maioria dos lares das comunidades, ocorre através de um sistema de captação subterrânea. Entretanto, não é possível afirmar que ela esteja dentro dos parâmetros aceitáveis para o consumo humano, dada a ausência de estudos sobre a questão e monitoramento do poder público”, diz o professor.

A falta de água potável, causada pela seca extrema, é um problema sério que afeta a saúde e a qualidade de vida da população amazônica, trazendo diversas consequências para comunidades que já se encontram em vulnerabilidade, como destacou Wilson.

“Por conta da seca extrema que estamos passando, moradores contam que as doenças infecciosas, que estavam de certa maneira sob controle, ressurgiram com muita rapidez nessas comunidades vulnerabilizadas. Falta de medicamento e, em alguns momentos, deve-se dividir entre comprar o remédio ou o alimento. Nessa situação, tem começado a faltar material de higiene e isso amplia as doenças já existentes”, salienta.

Outro impacto da seca é a perda de biodiversidade. Com a redução dos níveis dos rios, muitos peixes morreram ou migraram para outras áreas. Isso prejudica a pesca, que é uma importante fonte de renda para muitas famílias da região.

A pesca na Amazônia está intrinsecamente ligada às flutuações nos níveis de água dos rios, que alternam entre períodos de cheias e vazantes. Durante as cheias, os peixes encontram mais alimentos e abrigo, o que favorece a reprodução e o crescimento das populações. Durante as vazantes, os peixes concentram-se em áreas menores, o que facilita a sua captura.

A seca, por sua vez, reduz os níveis de água dos rios, dificultando a reprodução e o crescimento dos peixes. Além disso, a seca também elevou a temperatura da água, o que reduziu a quantidade de oxigênio disponível, levando à mortalidade natural dos peixes em diversos municípios paraenses e amazonenses entre agosto e novembro de 2023.

E os impactos da seca ainda são sentidos nas comunidades pesqueiras da região, afetando as atividades e consequentemente a economia, como conta Josana Pinto, integrante do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) de Óbidos no oeste do Pará. “O período de estiagem foi muito doloroso para nós aqui na Amazônia. E aí, olhando a realidade, a gente ainda sente que tem muitos rios que ainda estão baixos, muitos lagos ainda não recuperaram a sua capacidade de água. Os peixes ainda não estão transitando, mesmo sendo um período de piracema, um período de reprodução das espécies. Tem muitas baixas que ainda permanecem secas e outras com pouquíssima água. Então isso ainda causa uma série de dificuldades. Tem comunidades que permanecem praticamente isoladas, e isso causa de certa forma um prejuízo na economia”.

A integrante do MPP também relata redução significativa na quantidade de peixes capturados. Isso tem impactado a renda das famílias e a segurança alimentar da população, já que o peixe é uma importante fonte de proteína na dieta da região. “Nós estamos inseguros porque a gente sabe que a grande mortandade de peixes pode causar uma séria consequência na nossa soberania alimentar. Tanto na soberania alimentar das comunidades ribeirinhas da Amazônia como na própria comercialização do nosso pescado. Nós não somos criadores de peixe, nós somos extrativistas. A gente extrai da natureza aquilo que a natureza cria”, reforça Josana.

A seca também tem prejudicado a agricultura. Com a redução da disponibilidade de água, as plantações estão sofrendo com a seca e a produtividade tem diminuído. Isso tem gerado preocupação com a segurança alimentar da região, além da agricultura ser uma atividade importante para a economia da região.

Entre as culturas (produções) mais afetadas em Santarém, oeste paraense, estão a mandioca, o cupuaçu, a banana, a laranja, entre tantas outras plantações que dependem, especialmente, da água para sua sobrevivência. Muitas plantas frutíferas que morreram ou secaram são responsáveis por uma parcela significativa da produção de alimentos na região.

Ivete Bastos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR), reforça que as consequências da seca ainda estão sendo sentidas, principalmente no que diz respeito à segurança alimentar nutricional da população que vive na zona rural do município. “Isso tem um impacto muito direto na nossa segurança alimentar, porque com a estiagem não veio só a questão da seca dos rios, dos igarapés, dos canais, dos lagos, mas ela também se deu muito pela escassez da chuva, então esse é o maior impacto na produção familiar. Há um impacto muito grande na segurança alimentar nutricional de Santarém e das nossas mesas”, ressalta a presidente do STTR.

A seca histórica que atingiu a Amazônia em 2023 deve ter impactos ainda mais significativos em 2024, segundo especialistas. A combinação de um El Niño forte com o aquecimento global provoca uma redução significativa das chuvas na região, levando a uma série de problemas ambientais e socioeconômicos, como vistos ao decorrer desta reportagem.

Os níveis dos rios da Amazônia continuam abaixo do esperado, o que dificulta a navegação, a pesca e o abastecimento de água.

Em 2024, a expectativa é que a estação chuvosa seja mais seca do que o normal. Isso significa que os níveis dos rios podem permanecer baixos, o que prolonga os impactos da seca, como explica Ayan Fleischmann, coordenador do Grupo de Pesquisa em Análise Geoespacial, Ambiente e Território Amazônico e responsável pelo monitoramento do nível das águas, impacto da seca no Amazonas e qualidade da água do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, em Tefé no Amazonas. “Com a manutenção do El Niño nesses primeiros meses de 2024, espera-se que de fato tenha chuvas abaixo do normal nos próximos meses. No entanto, isso é uma projeção que está sujeita a muitas incertezas, modelos de previsão que são utilizados. Então é difícil ainda a gente cravar. [Porém] A tendência é que sejam chuvas abaixo do normal.”

Com a previsão de poucas chuvas para a região, as consequências da seca extrema ainda devem ser sentidas nos âmbitos socioambientais e econômicos da região. No entanto, Ayan explica que os impactos, principalmente no que tange populações que vivem em áreas ribeirinhas da região, podem ser minimizados, se houver sistemas de prevenção efetivos.

“Temos medidas de prevenção que podem incluir, por exemplo, o sistema de previsão mais adequado para fazer a previsão da cheia ou da seca com antecedência maior de tempo. A gente tem sistemas de prevenção, métodos com os quais a comunidade ribeirinha poderia se preparar para uma eventual falta de água, como foi o que aconteceu este ano”, ressalta.

O governo brasileiro tem tomado algumas medidas para tentar mitigar os impactos da seca na Amazônia. No entanto, essas medidas ainda são insuficientes. É necessário um esforço conjunto de todos os setores da sociedade para enfrentar a seca e proteger a floresta.

[Foto: Embarcação encalhada na comunidade de Nossa Senhora de Fátima, em Manaus, no Amazonas (Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)]

Leia também: O drama da seca na Amazônia http://tinyurl.com/44be9szz

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