05 fevereiro 2024

Uma crônica de Urariano Mota

Lima Barreto beberrão

Nos inimigos, são maximizados os defeitos. Nos amigos, tudo é graça, elegância e beleza. Marx dizia: “os proletários se embriagam, os burgueses vão ao club”.
Urariano Mota*/Vermelho


Nas boas falas de professores e pesquisadores sobre o escritor, foi mencionado que Lima Barreto ganhou a fama, má fama, de beberrão. (No Recife, diríamos bebarrão). Com essa desculpa infâmia, ele foi barrado três vezes na Academia Brasileira de Letras, porque seria um homem de maus costumes. Em determinado ponto do documentário, um professor observou muito bem que Lima Barreto começou a ter problema com a bebida a partir dos 35 anos de idade. Mas antes, ele havia publicado, pelo menos, uma obra máxima da literatura brasileira, “Triste fim de Policarpo Quaresma”. E estivera em plena atividade de luta e talento nos jornais. Então, por que ser afastado por um v ício posterior?

Mas o ponto que desejo destacar aqui é o seguinte: em nenhum momento foi dito que o vício do álcool atingiu alguns dos maiores nomes da literatura no mundo. E neles, o álcool era um charme, uma bela característica da sua literatura. Sem pesquisa, lembro Hemingway, que bebia a partir do momento em que deixava a sua escrita a partir das 11 da manhã, todos os dias. Lembro de James Joyce, de Faulkner, que numa visita a São Paulo, depois de uma bebedeira abriu a janela do hotel e gritou: “O que foi que eu vim fazer em Chicago?!”

No Brasil, como esquecer o genial poeta e compositor Vinícius de Moraes? E o magnífico escritor e compositor Chico Buarque? Jamais sobre eles foi dito que eram beberrões, indignos do convívio humano. Pelo contrário, são dignos da civilização brasileira até hoje. E com absoluta razão, por obra, mérito e justiça.

As razões da difamação de Lima Barreto moram além da garrafa. Mora na filosofia. Ele foi o pioneiro da propaganda do marxismo no Brasil. Ele acompanhou a Revolução Russa com entusiasmo. Ele foi, é escritor de combate, que transformou o preconceito racial em sátira e literatura contra os poderosos. Ele foi o primeiro escritor feminista do Brasil. Essa era a sua maior cachaça. Daí que ganhou a fama de bêbado, beberrão, bebarrão, sujeito desclassificado, um negro que não reconhecia o seu lugar. Assim o honravam na sociedade de classes do Rio de Janeiro, a capital federal, metida a branca e europeia. Mas a sua literatura falou e não falhou ao apontar o ridículo da burguesia e a tragédia dos desclassificados do Brasil.

Nos inimigos, são maximizados os defeitos. Nos amigos, tudo é graça, elegância e beleza. Marx dizia: “os proletários se embriagam, os burgueses vão ao club”.

Lembram-se de Lula, o cachaceiro?

*Jornalista, escritor

Cotidianas dores do parto https://bit.ly/3Ye45TD

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