17 março 2024

Futebol: complexas emoções

Complexidade shakespeariana

A memória é o elo entre o passado e o presente, entre o corpo e a alma
Tostão/Folha de S. Paulo

 

Depois do papelão dos dirigentes do São Paulo após a partida contra o Palmeiras, os diretores pediram desculpas e acertaram com a Justiça esportiva que eles não seriam julgados, outro papelão.

A presidente do Palmeiras, Leila Ferreira, disse, com razão, que as desculpas eram convenientes para evitar o julgamento e as punições. Por outro lado, a presidente do Palmeiras deveria convencer o técnico Abel Ferreira a abandonar os chiliques durante as partidas.

Durante a semana, houve grandes emoções nos campeonatos brasileiros, sul-americanos, europeus e na Liga dos Campeões, com jogos classificatórios decididos nos últimos minutos ou nos pênaltis. Futebol é um teatro, uma catarse de sentimentos humanos, uma mistura de alegrias, tristezas, êxtases e tragédias.

Há partidas de todos os tipos. Preciso separar a emoção da qualidade técnica e tática. No jogo eletrizante que deu a classificação ao Botafogo para fase de grupos da Libertadores até a personagem de Nelson Rodrigues, a grã-fina do nariz empinado, que não entendia nada de futebol e que ia a todos os jogos no Maracanã, sabe que o jogo entre Botafogo e Bragantino foi emocionante e muito ruim, pois o time carioca ficou todo o jogo na defesa dando chutões e o Bragantino apenas cruzava bolas para área.

Por falar em Nelson Rodrigues, sonhei dias atrás que o entrevistava. Ele é o maior teatrólogo do Brasil e o maior cronista de futebol, apesar de não entender nada de estratégias de jogo. Ao me ver, disse: "como vai o anão de Velásquez", pois assim me chamava nas suas crônicas. Nelson Rodrigues se referia ao anão que aparecia no canto de uma das mais famosas pinturas de Velásquez, o quadro "As Meninas". Eu media 1,71 metro, um a dois centímetros a menos que Pelé, mas para Nelson Rodrigues o importante era o exagero, a hipérbole, o delírio, características do grande cronista. 

Perguntei: quando nasceu o Fla-Flu? Ele respondeu: "começou quarenta anos antes do nada. E ai as multidões despertaram". E a sua paixão pelo Fluminense? "Eu já era tricolor antes de mim mesmo e até antes de Cristo". Continuei: quem vai ganhar o Brasileirão de 2024? "Desde ontem, o Fluminense. Só um cego não enxerga o óbvio ululante".

Quem vai decidir o título? Ele responde: "o sobrenatural de Almeida. Os idiotas da objetividade e os entendidos não vão além dos fatos concretos. Não percebem que o mistério pertence ao futebol. Até a mais sórdida pelada tem uma complexidade shakespeariana. A alma é tudo. O restante é paisagem".

O que você pensa dos analistas de futebol, de política e de outros setores? Ele responde: "o pior cego são o tendencioso e o míope e pior ainda que o míope é o que enxerga bem, mas não entende o que enxerga. Existem pessoas que não têm inteligência visual.

Qual era a maior virtude de Pelé? Nelson disse: "era a falta de modéstia absoluta. Ele sabia que era muito melhor que todos. Intimidava até a bola, que lhe beijava os pés".

Outro dia continuamos a entrevista, pois tenho que escrever sobre os fatos. Ele retruca: "que se danem os fatos. Escreve sobre as paixões e o mistério. Os fatos e o VAR são burros".

Não tenha medo do ridículo. Só os imbecis têm. Dê um grande abraço no Juca Kfouri, no José Trajano, no Fernando Calazans e outros cronistas.

Quando acordei, estava mais leve e animado. A memória é o elo entre o passado e o presente, entre o corpo e a alma.

Sem lero-lero, os fatos como são https://bit.ly/3Ye45TD

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