24 março 2024

Três supostos mandantes

Quem são os presos pela PF suspeitos de encomendar a morte de Marielle Franco

Wilson Tosta/BBC

 

Três pessoas foram presas preventivamente neste domingo (24/3) pela Polícia Federal, suspeitas de terem encomendado a morte da vereadora Marielle Franco, seis anos atrás.

São os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, que têm envolvimento de longa data na política do Rio de Janeiro, e Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil fluminense.

Segundo uma fonte da PF ouvida pela BBC News Brasil, a morte teria sido encomendada por conta da resistência feita por Marielle e pela bancada do PSOL, o partido da vereadora, a um projeto de lei que regularizaria condomínios na zona oeste do Rio de Janeiro.

A zona oeste tem bairros controlados por milicianos que exploram empreendimentos imobiliários ilegais na região.

A operação da PF deriva parcialmente da delação premiada de Ronnie Lessa, preso como suspeito de ter executado o crime.

Domingos Brazão

Ex-deputado estadual e empresário do ramo de combustíveis, Domingos Inácio Brazão, de 58 anos, é carioca e venceu sua primeira eleição em 1996, quando se tornou vereador na capital fluminense.

Sua base eleitoral é a zona oeste carioca, berço das milícias no Estado. Em 2000, concorreu a prefeito, mas ficou em oitavo lugar - sua atuação sempre foi regional. Teve mais cinco mandatos, como deputado estadual. Interrompeu o quinto em 2015, ao ser eleito conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE). integrou, como político, o PL, o PT do B e o PMDB (hoje MDB). 

Polêmico, Brazão teve seu nome incluído no Relatório Final da CPI das Milícias da Assembleia Legislativa do Rio, em 2007. Foi citado no depoimento do vereador Josinaldo Francisco da Cruz, o Nadinho de Rio das Pedras, como político que fizera campanha na comunidade.

Nadinho confirmou que a favela era dominada por uma milícia. "Toda criança de 10, 12 anos em Rio das Pedras, se você perguntar, vai responder que existe milícia", disse. Aquela teria sido uma das primeiras quadrilhas de policiais a dominar criminosamente um território no Rio.

O hoje conselheiro do Tribunal de Contas sempre negou as acusações de suposto envolvimento em crimes e irregularidades. Atribuía-as a disputas políticas e à briga por votos e redutos eleitorais.

Em entrevista a O Globo em janeiro, o conselheiro afirmou ser inocente e não ter ligação com o caso Marielle: "Não conheci essa gente, graças a Deus".

O advogado Ubiratan Guedes, defensor de Domingos Brazão, também negou, na manhã deste domingo, envolvimento de seu cliente nos homicídios de Marielle Franco e Anderson Gomes.

“(Domingos Brazão) não tem nenhuma ligação com a Marielle, agora cabe à defesa provar que ele é inocente”, afirmou o advogado, ao chegar à sede da Superintendência da Polícia Federal no Rio. “Estamos surpresos.”

Brazão já admitira, porém, já ter matado um homem. Contou o episódio por causa de bate-boca com a deputada Cidinha Campos (PDT), no plenário da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, em junho de 2014. A parlamentar acusou o adversário de homicídio.

"Matei, sim, uma pessoa", disse Brazão, que também reconheceu ter sido preso por causa do crime, mas alegou ter sido absolvido, segundo o jornal O Dia. "Mas isso tem mais de 30 anos, quando eu tinha 22 anos. Foi um marginal que tinha ido à minha rua, na minha casa, no dia do meu aniversário, afrontar a mim e a minha família. A Justiça me deu razão."

Brazão também negou outra acusação de Cidinha, a de que a ameaçara dizendo à deputada que "já matara vagabundo, vagabunda, não, mas tinha vontade". A deputada fizera um dossiê contra ele e outro parlamentar. Acusou-os de envolvimento com a máfia dos combustíveis e pediu proteção, alegando temer por sua vida. Brazão disse que a denúncia tinha fins eleitorais. O processo foi arquivado.

O mandato de Brazão na Alerj foi cassado em 2011 pela Justiça Eleitoral. A acusação era de compra de votos no pleito de 2010, em urnas da zona oeste. Não durou muito. Uma liminar do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lhe devolveu o lugar na Casa e na política.

Uma delação premiada do ex-presidente do TCE Jonas Lopes de Carvalho Júnior levou à prisão temporária Brazão e outros quatro conselheiros da Corte, além de um conselheiro aposentado, em março de 2017. Na Operação Quinto do Ouro da Polícia Federal, desdobramento local da Lava Jato, Lopes delatou um suposto esquema de propinas. após ser acusado por empreiteiras de pedir propina.

Os presos, afastados dos cargos, negaram envolvimento em irregularidades e foram soltos em abril de 2017. Brazão voltou a seu cargo no TCE, em março de 2023, por ordem da Justiça.

O nome de Brazão circulou nas investigações sobre o homicídio de Marielle e Anderson desde o início. O conselheiro depôs em junho de 2018, sob a suspeita de plantar informações falsas para atrapalhar o inquérito. Negou essa acusação.

Em 2019, Brazão foi denunciado pela Procuradoria Geral da República, com mais quatro pessoas, por supostos crimes cometidos para atrapalhar as investigações, mas foi inocentado. A pedido do MP estadual, que considerou superficiais as provas apresentadas pelo MPF, a denúncia -que baixara do Superior Tribunal de Justiça para o Judiciário fluminense - foi rejeitada em 2021. A ação foi definitivamente arquivada em janeiro do ano passado.

Também foram inocentados o delegado da PF Hélio Khristian Cunha de Almeida e o policial federal aposentado Gilberto Ribeiro da Costa, assessor de Brazão no TCE-RJ. Outros dois acusados, que já respondiam no Judiciário estadual pelos mesmos crimes denunciados na esfera federal, continuaram a ser processados.

Brazão, agora foi denunciado por Ronnie Lessa, que teve sua delação premiada homologada pelo STF, como mandante do duplo homicídio, sempre negou envolvimento no crime. Em seu primeiro depoimento, afirmou ter ouvido falar de Marielle duas vezes: quando foi eleita, por ter sido a quinta mais votada; e quanto foi assassinada.

Chiquinho Brazão

Irmão de Domingos, Chiquinho Brazão é deputado federal pelo União Brasil e chegou a ser secretário especial de Ação Comunitária da prefeitura do Rio de Janeiro.

Ele deixou o cargo depois de o nome da sua família ter sido citado na delação de Elcio Queiroz, ex-PM preso sob acusação de ter dirigido o carro usado no dia do assassinato.

Na quarta-feira (20), Chiquinho havia negado envolvimento com o caso.

Foi a menção a Chiquinho que teria levado o caso para o Supremo, corte onde parlamentares federais têm prerrogativa de foro (processo e julgamento). Isso aconteceu depois que, por iniciativa do então ministro da Justiça, Flávio Dino, a Polícia Federal incorporou-se às investigações.

Rivaldo Barbosa

O terceiro preso preventivamente, Rivaldo Barbosa, é ex-diretor da Polícia Civil do Rio de Janeiro.

O G1 reportou que o delegado assumiu o controle da Polícia Civil fluminense um dia antes da morte de Marielle.

Em postagem no X (ex-Twitter) neste domingo, Marcelo Freixo, que na época do crime era deputado estadual pelo mesmo partido de Marielle, escreveu: "Foi para Rivaldo Barbosa que liguei quando soube do assassinato da Marielle e do Anderson e me dirigia ao local do crime. Ele era chefe da Polícia Civil e recebeu as famílias no dia seguinte junto comigo. Agora Rivaldo está preso por ter atuado para proteger os mandantes do crime, impedindo que as investigações avançassem. Isso diz muito sobre o Rio de Janeiro".

Em entrevista à GloboNews neste domingo, a mãe de Marielle, Marinete Silva, confirmou que o delegado recebeu a família depois do crime. "Foi um homem que falou que era uma questão de honra para ele elucidar esse caso", declarou ela.

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