04 abril 2024

Cida Pedrosa: 60 anos do golpe militar

"Precisamos fazer as pazes com a nossa História"

Nesta quarta-feira, 3, a vereadora Cida Pedrosa (PCdoB) promoveu sessão solene na Câmara Municipal do Recife alusiva aos 60 anos do golpe militar de 1964. Com a presença de ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos, homenageados.
Leia a seguir o pronunciamento de Cida Pedrosa:


No dia 31 de março deste ano completamos exatas seis décadas de um golpe militar que destruiu os sonhos de várias gerações. Mas não foram só os sonhos que nos foi roubado, vilipendiado, exterminado. Nos tiraram a liberdade, inviabilizaram o futuro de uma nação. Assassinaram nossos filhos e filhas, companheiros, pais e mães.

Na década de 60 vivíamos um dos nossos melhores momentos. Tínhamos uma singular oportunidade de construir uma nação forte, soberana, desenvolvida. Autodeterminada, com um caminho próprio. Mas, a covardia de uma elite racista e entreguista, somada a um contexto de dominação ideológica de boa parte da nossa classe média e forças armadas, sofremos um duro golpe, patrocinado pelos imperialistas norteamericanos.

Nosso rumo, na trilha para o desenvolvimento soberano, foi interrompido por um projeto autoritário, antinacional e antipovo. Mas esse processo não aconteceu da noite pro dia. Foram anos, décadas de gestação desse plano maligno para destruir os anseios da maioria da nossa população. Em 1947, após pouquíssimo tempo de ares democráticos, cassaram o registro do Partido Comunista do Brasil, botando para fora do parlamento toda uma bancada de comunistas eleitos no seio do povo.

Foram inúmeras as desestabilizações e insurgências durante o governo Vargas, JK, Jânio Quadros e Jango. Até que as condições concretas foram viabilizadas com o apoio da maior potência ocidental do momento, os Estado Unidos da América.

O golpe foi para interromper as reformas de base de Jango. O golpe foi para impedir nosso desenvolvimento soberano, foi para nos submeter aos interesses internacionais dos capitalistas, no contexto da guerra fria, no combate aos avanços sociais vividos pelas repúblicas socialistas soviéticas.

Entramos num contexto de trevas. Parte do nosso povo resistiu, enfrentou de frente, esperançou. Os movimentos se reorganizaram, mobilizando cada vez mais gente, conquistando corações na luta por liberdade. Os estudantes foram ponta de lança, protagonistas, bateram de frente junto com artistas, trabalhadores e trabalhadoras. Greve geral. Passeata dos cem mil.

Mas a repressão escalou e quase todos os direitos civis foram cassados. AI 5. Estudantes foram proibidos de estudar, parlamentares tiveram seus mandatos cassados, partidos e sindicatos perderam seus registros. A censura acabou com a livre manifestação de ideias, deixou nossa cultura amordaçada. Reuniões foram proibidas. Arapongagem,  prisões sumárias. Tortura, tortura, tortura. Assassinato, desaparecimento. Exílio. Famílias em sofrimento.

Mesmo com o endurecimento do regime, após o AI-5, mais luta se fez presente. Guerrilha urbana, Guerrilha do Araguaia. Luta na cidade e no campo. Mais repressão, prisões, tortura e assassinatos. A ordem era exterminar, apagar pessoas e ideias. Mas as ideias não morrem, são como o nosso sertão. Passam pela seca braba, anos a fio, e brotam ao primeiro sinal de chuva. Resiliência, persistência. Ideias não morrem.
Como comunista que sou, sempre tive uma grande curiosidade sobre  uma das maiores epopéias do nosso povo, a Guerrilha do Araguaia. Decidi estudar, li muitas coisas, imergi. Queria conhecer aquelas trajetórias, compreender essa abnegação. Deixar família e amigos para lutar por liberdade. O resultado desse processo foi meu mais recente livro, o Araras Vermelhas, que conta um pouco dessa história. Mas muito ainda temos a contar. Além das bravas e bravos guerrilheiros, a Ditadura prendeu, torturou e assassinou dezenas, centenas, milhares de camponeses e indígenas. A quarta operação, a “operação limpeza” ainda está em curso na região. Apagando testemunhos, relatos, histórias. Mas, nos muros de xambioá e Marabá ainda po demos ver inscrições com os seguintes dizeres: “Helenira Resente, Presente!”

Depois de tanta barbaridade, o regime perdeu força, enlameado por corrupção e incompetência. Ressurgiu a luta do povo nas ruas, pedindo Anistia e Eleições Diretas. A anistia chegou, mas as eleições diretas, não. O maior movimento de massas da nossa geração mobilizou amplo espectro político e colocou o povo no protagonismo novamente. Mas a derrota foi temporária. A luta se deu dentro da própria estrutura da Ditadura e, no colégio eleitoral, Tancredo Neves foi o primeiro civil eleito após duas décadas de autoritarismo.

Foram 21 anos de trevas, momentos que não podemos deixar repetir. Mas, ainda lutamos por justiça e reparação. Até hoje, a Comissão de Anistia não terminou seu trabalho. Até hoje não temos acesso aos arquivos da ditadura. Precisamos conhecer nosso passado, reparar as perdas, punir os responsáveis. Precisamos de Justiça de Transição.

Para que outros 8 de janeiro de 2023 não aconteçam, precisamos passar a limpo nosso passado distante e o passado recente. No passado distante, a Anistia cobriu torturadores e assassinos. Isso precisa ser revisto, assim como não podemos permitir anistia para os golpistas bolsonaristas que planejaram, financiaram e executaram a intentona de 8 de janeiro. A união do nosso povo impediu mais um golpe de estado. Queremos Cadeia para os golpistas!

Precisamos fazer as pazes com a nossa história e contar para todos como ela, de fato, aconteceu. Memória e verdade são fundamentais para uma nação seguir seus caminhos. Lutamos por justiça e por um Brasil plenamente desenvolvido. Precisamos de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, com reformas que ampliem nossa democracia e melhorem a qualidade de vida do nosso povo.

Esse era o sonho dos que tombaram. Esse era e é o sonho dos que sobreviveram. Nossa luta ainda não foi concluída. Seguiremos nela até construir esse Brasil tão desejado por todos nós.

Para finalizar, gostaria de ler um trecho de Araras Vermelhas, para ser mais exata, o epílogo:

“invoco neste momento
a musa da cor vermelha
que se esvai em poesia
como se fosse centelha
trançando o laço de fita
contando a vida não dita
escrita em caco de telha

não é para olhar de esguelha
o sonho posto à mesa
a dor contida no outro
vivida na profundeza
do sangue daquele irmão
exposto na servidão
desta vida camponesa

a fome não tem defesa
e deixa um rastro maldito
de falta de esperança
sendo o seu maior delito
pois crava um punhal no mundo
e traz desgosto profundo
dando tristeza ao aflito

eis a razão do conflito
poucos são donos de tudo
e muitos não têm valia
faltando tudo ao miúdo
posto em escravidão
restando a rebelião
para não viver desnudo

neste cenário agudo
a luta se faz certeza
como caminho sem volta
de confronto à vileza
dos que ferem a justiça
e se afogam na cobiça
para concentrar riqueza

e foi com muita firmeza
que se montou a guerrilha
pensada como estratégia
do socialismo a trilha
buscando um tempo novo
com bonança para o povo
libertos de toda cilha

com essa esperança andarilha
coberta de juventude
a fé se embrenhou na mata
vestida de plenitude
portando o verso mais lindo
o raio do dia vindo
bem longe da finitude”

Muito obrigada!

Escolhas e conflitos https://bit.ly/3Ye45TD 

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